Ruy Castro, o brilhante autor de "O Anjo Pornográfico" e "Chega de Saudade", livros obrigatórios para quem gosta de um belo texto, costuma acertar no alvo. Em sua coluna na Folha de S.Paulo, mais uma vez foi preciso, corajoso e politicamente incorreto.
Ao comentar a Política Nacional de Drogas do governo que investirá na abstinência do usuário, em vez da redução de danos, Castro fechou com a proposta. Armado de uma sinceridade afiada, fruto da experiência vivida e sofrida, não faz concessões.
Considera um equívoco, marca registrada da política de redução de danos, a referência aos usuários cujo grau de dependência seja mais baixo. "Na condição de dependente químico que se tratou há 31 anos e tem se mantido à distância dos produtos, aprendi, comigo mesmo e com usuários e dependentes com quem convivi, que as duas categorias não formam uma mesma pessoa.
Um usuário pode passar a vida usando sua droga em quantidade razoável para seu organismo -e apenas para este- sem se tornar dependente. Mas, se a dependência se instalar -ou seja, se o organismo passar a exigir a droga para se manter estável-, não haverá mais possibilidade de autocontrole". E conclui, carregado de realismo e com uma chispa de ironia: "Bater papo com o terapeuta no consultório e continuar bebendo ou cheirando só fará bem ao terapeuta". É isso aí. Rigorosamente.
Transcrevo o depoimento de um adicto recuperado. Ele fala com a força e a sinceridade de quem esteve no fundo do poço.
"Sou filho único. Talvez porque meus pais não puderam ter outros filhos, me cercavam de mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos comecei a fumar maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um tratamento psiquiátrico, fiquei nove meses tomando medicamentos e voltei a fumar maconha. Nessa época já cursava Medicina e convenci meus pais de que a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos estavam alicerçados em literatura e publicações científicas. Eles mal sabiam que estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, também passei a injetar cocaína e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e somente não morri porque estava dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho".
"Após esta fatalidade", continua, "decidi me internar numa comunidade terapêutica e hoje, graças a Deus, estou sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava em drogas injetáveis. Somente a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a qualidade de vida que não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma dose de uísque" (A.S.N., médico, ex-interno da Comunidade Terapêutica Horto de Deus, Taquaritinga, SP).
Observa-se, na contramão da realidade, um crescente movimento a favor da descriminalização das drogas, sobretudo da maconha.
Bandeira frequentemente agitada em certos setores do entretenimento e em alguns redutos de profissionais da saúde pública, a descriminalização não ajudará nada. Ao contrário.
A prevenção e a recuperação, guindadas à condição de prioridade da Política Nacional de Drogas, merecem o apoio de todos nós.