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17/03/19 07:00 - Opini�o

Ponto de vista do olho de Deus

Zarcillo Barbosa

Em toda tragédia, sempre se procura o "porquê?" As respostas, pela variedade de argumentos que exploram, são inconsistentes. Depois do ataque à Escola de Suzano, na Grande São Paulo, a bancada da bala no Congresso lamentou que que não houvessem armas regulares dentro da escola, na posse de professores, serventes ou de um policial aposentado, para minimizar a tragédia.

Temos 182 mil escolas no país, na metade delas não há bibliotecas, mas a carência urgente é de revólveres e pistolas. Outros põem em xeque a facilitação do acesso a armas, flexibilizada pelo primeiro decreto do governo Bolsonaro. A dupla autora do massacre, em Suzano, portava um revólver 38 com numeração raspada, um machado e uma besta - arma medieval que atira flechas, facilmente adquirida via internet.

O ataque na "Raul Brasil" repete um modelo recorrente nos Estados Unidos, onde, em média ocorrem dez incidentes a tiros em escolas por ano. Mas não chega a ser fato raro no Brasil. Em 2011, Wellington Menezes invadiu uma escola no Realengo, Rio, matou 12 crianças e feriu dez. Em 2017, em Goiânia, um aluno matou dois colegas e feriu quatro. Usou uma pistola .40 que pertencia à mãe, policial militar.

Em 1999, um jovem atirou contra espectadores que assistiam ao filme "O Clube da Luta". De posse de uma submetralhadora comprada em uma favela, matou três e feriu quatro. Na Europa, terroristas planejaram ataques com a utilização de carros e caminhões para atropelar e matar pessoas em locais movimentados. Conseguiram grande índice de letalidade sem disparar um tiro.

Há quem culpe os videogames, mas os pesquisadores, em sua maioria, não encontram relações causais entre jogos e agressividade. Outros alegam a "desagregação da família" como fator desencadeante, embora, muitos dos assassinos tivessem existência tranquila e respeitosa dentro de casa. Para encontrar explicações para tantas tragédias, já se utilizaram até do ponto de vista do olho de Deus.

No passado, os princípios morais tinham autoridade, representada pelo respeito aos pais, aos professores, às autoridades, porque havia a religião por trás. Agora, "Deus está morto e nós o matamos", como dramatizou Nietzsche (1882). Para o filósofo alemão, a religião teria perdido lugar na nossa cultura secularizada, ou seja, leiga, sujeita só à lei dos homens. O Bem e o Mal não são universais, absolutos - são criações humanas. A bondade, a humildade e a piedade foram substituídas pela alegria, a inventividade e a afirmação da vida. Na Catedral de Campinas, um homem disparou contra pessoas que assistiam à missa. Matou quatro e feriu outras tantas. Por que na Igreja? Ninguém sabe.

Diante da falta de racionalidade da mente insana, substituída pela lógica da loucura, hoje, nenhum lugar no mundo é seguro. Na Nova-Zelândia, uma ilha que abriga um dos países mais tranquilos do mundo, surge um "supremacista branco". Xenófobo declarado, o australiano Brenton Tarrant, de 26 anos, matou 44 pessoas que rezavam em duas mesquitas e feriu outras 17.

Em seu manifesto, protesta contra os imigrantes que estariam maculando o etnocentrismo baseado na supremacia branca. Disse, ao ser preso, que buscou inspiração em Anders Brevik, norueguês que, em 2011, matou 77 em Oslo. No documento que deixou, ainda critica o Brasil como um país prejudicado no seu desenvolvimento, por causa da miscigenação de raças.

O matador da Nova-Zelândia utilizou-se de uma câmera colada no seu capacete, e filmou toda a chacina, transmitida ao vivo pelo Facebook e YouTube. A rede demorou a perceber e a retirar o chamado livestreaming, que se espalhou pelo mundo. Aí, talvez, resida a unanimidade entre os estudiosos da neuropsicologia: a divulgação potencializa pessoas mais sugestionáveis a querer reproduzir esse tipo de ação. Padrões de comportamento acabam sendo imitados.

A divulgação, pelos meios, deve ser tratada com distanciamento e respeito. As ironias ampliam o lado cruel. A profª Marilena Umezu, em janeiro, postou na rede que "o porte de livros" era a "melhor arma para salvar o cidadão e a educação". Foi a primeira a ser morta na chacina de Suzano.





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