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13/01/19 07:00 - Opini�o

Espa�o p�blico como de interesse privado

Zarcillo Barbosa

Numa democracia consolidada, o cidadão enxerga o espaço público como de ninguém, porque de todos. Numa democracia não consolidada, espaço público é de ninguém sem ser de todos; portanto ele pode ser meu no que diz respeito ao meus interesses particulares. Basta que eu tenha poder. E querer. Quem diz é a psicóloga social Sandra Jovchelovitch, professora da London School of Economics, especialista em Brasil. Pelo visto, os fatos pretéritos e presentes somente reforçam a sua tese. Padecemos, neste país, de um fatalismo: "a política é assim", "esses caras não têm jeito", "quem pode faz mesmo".

O ministro da economia Paulo Guedes, anunciou nova era no uso do dinheiro público. "Vamos acabar com a falcatrua, com esse tipo de coisa", disse na segunda-feira. "O povo brasileiro cansou de assistir a esse desvirtuamento das funções públicas". Para ele, o Estado tem muitas tetas e cada grupo trata de grudar numa delas para tirar o que puder. "Nosso grupo tem outra mentalidade". Perfeita a exposição de Guedes, não fosse o divórcio entre a palavra e a ação, outra fatalidade da política brasileira. A palavra aceita tudo. A ação não. No dia seguinte a essas declarações, o filho do vice-presidente Hamilton Mourão dava um salto triplo carpado na sua carreira como funcionário do Banco do Brasil. Passou de assessor do agronegócio para assessor especial do novo presidente do banco, com salário de 36 300 reais. Nada mal para quem ganhava 12 900 reais. Furou a fila de técnicos credenciados para a vaga. O próprio presidente Bolsonaro colocou na gerência de Inteligência e Segurança da Petrobras o ex-capitão da Marinha Carlos Nagem, seu amigo do peito, como consolação por não ter sido eleito vereador em Curitiba. Salário de 50 mil reais mais bonificações. Ele já era funcionário da estatal.

Aqui no Brasil, quem tem poder tem tudo. Dá direito ao titular de apropriar-se um espaço ou de uma coisa comum para fazer avançar os interesses particulares. A gente encontra esse comportamento em todos os setores da vida nacional. Sei que não é politicamente correto dizer, mas existe uma simetria entre o comportamento que encontramos no cotidiano da população, com o comportamento que encontramos na política. Ainda temos o sujeito que tenta subornar o policial para não levar multa; que compra carteira de motorista; que pede favor pessoal ao prefeito; que sonega impostos. Existe uma simetria entre a rua e a política.

O governo recém-instalado, foi eleito pela maioria com a promessa de purificar o sangue do corpo social. Combater a corrupção. Defender o critério do mérito pessoal. Redimir o país do "socialismo". Tirante os exageros, até se compreende que a volta ao conservadorismo, dos meninos vestidos de azul e as meninas de rosa, podem se transformar num reforço moral na mente poluída de muitos brasileiros. As ações equivocadas, ainda no começo da gestão, debitamos à "pouca prática" e aos vícios arraigados. Há que parar por aqui, antes que a lua de mel termine.

A cientista Jovchelovitch, alivia a nossa vergonhosa posição ao dizer que a corrupção, e o uso do espaço público, não são privilégios brasileiros. No próprio Reino Unido, também ocorrem escândalos. A grande diferença, segundo ela, está no tipo de imaginação que é vinculada ao espaço público e a capacidade institucional do Estado. No caso britânico, a opinião pública exige respostas, e o Estado pune os corruptos: tem gente que vai para a cadeia, outros sofrem ostracismo político e os que restaram mudam as leis para evitar novos episódios. Poderes se mostram de fato independentes e agem com rapidez.

É possível dizer que já evoluímos muito no principal quesito. Temos um ex-presidente da República preso e muitos ex-figurões da política em prisão domiciliar ou respondendo a processos. Nem foi preciso de uma ultradireita no poder para combater os assaltos ao erário. O que precisamos agora, além de continuar mandando para as enxovias os malversadores do dinheiro público, é coibir o roubo do espaço púbico. Outra patologia social, igualmente grave. A dinâmica do psicopata é o de não sentir culpa, não se sentir responsável. E essa dinâmica é muito semelhante à da corrupção na esfera política. Isso impede a consolidação da imagem de um Brasil adulto.





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