Bauru e grande região - Sexta-feira, 26 de abril de 2024
máx. 31° / min. 12°
14/11/18 07:00 - Opini�o

Fidelidade Total

Roberto Magalh�es

Homens todos iguais. Todos canalhas. Juram amor eterno, mas caem salivando de quatro diante do primeiro rabo de saia que passe rebolando. Com casamento marcado, vestido comprado, clube alugado, soube, por uma vizinha, que seu noivo e a Cidinha, até então a sua melhor amiga, estavam se pegando. Os encontros aconteciam justamente depois que o desgraçado saía da casa dela todas as noites. Tudo apurado e confirmado, comprou veneno de rato, mas acabou tomando Coca Cola. Melhor deixar pra lá, tocar a vida pra frente. Nunca mais se envolveria com essa maldita raça canina. Dali para frente, homem que pintasse na sua vida seria apenas um picolé de abacaxi. Depois de consumido, jogaria o palito fora.

Foi então que pintou o Romeu. Um cara legal, trabalhador, atencioso, mas para ela apenas um sorvetinho de ocasião. O problema era que o Romeu queria namorar sério, conhecer a família... Não era sorvete merda nenhuma, sentia-se humilhado, Julieta não tinha o direito de tratá-lo assim. Pedia apenas uma chance, namorariam normalmente e, se tudo caminhasse bem, dariam o segundo passo.

Gata escaldada, Julieta fingiu aceitar o pedido dele. Romeu continuaria sorvete, acreditando que não era mais. Ficaria com ele até tudo se derreter. Depois, diria que a tentativa fracassara, não haveria, portanto, o segundo passo.

Empoderada, foi logo avisando. Não queria ser traída outra vez. Ele bem sabia o quanto sofrera, o quanto fora humilhada pelo noivo traidor. Por isso, queria um juramento de fidelidade total. Do Romeu outra coisa não se podia esperar: dizendo-se homem de uma mulher só, estalou um beijo nos dedos cruzados e prometeu: " Julieta, eu serei fiel a você até a morte!" Mas aí, veio o inesperado. "Fidelidade total, querido Romeu, não pode ser só física, tem que ser mental também. Você vai me prometer que não me trairá nem em pensamento. Caso isso aconteça, você vai ter a dignidade de me contar tudo, tintim por tintim. Daí, dependendo da gravidade do que tenha acontecido na sua porca imaginação, eu lhe perdoarei ou não. É pegar ou largar.

Aquilo era uma loucura, um despropósito. Tinha como recusar? Aceitou as regras do jogo. Dá as cartas quem tem o baralho na mão. Uma semana depois, severa amigdalite o levou ao laboratório médico para uma cultura bacteriana. O que lá aconteceu, obrigou-o a fazer a primeira confissão: tinha traído mentalmente Julieta. Indignada, ela quis logo saber os detalhes daquela cabeça infiel. Da amigdalite ele nada falou, mas da enfermeira que o atendeu... Loira, alta, óculos enormes de aro azul, chapeuzinho branco com lacinho rosa, voz sensual, corpo esguio, tudo dentro de um jaleco e saia discretos. A imaginação, contudo, cuidaria de despi-la em curvas e volumes incríveis. Uma tortura, a loiraça se dobrara inteira sobre ele para colher o material da boca babona. Uma tijolada, dessas sem defesa, cristão nenhum resistiria. Merecia perdão. Fui pra casa com ela na cabeça - concluiu - e cometi o ato infiel: aliviei-me. Pronto, disse o que era meu dever dizer. Aliviado estou novamente.

Julieta exigiu que ele fosse embora. Voltasse amanhã, teriam muito que conversar. Voltou. Encontrou a porta aberta e um bilhete na mesa: "Estou no quarto te esperando". Toda de branco, lá estava Julieta fantasiada. Peruca loira, óculos de aro azul, chapeuzinho branco com lacinho rosa, olhar e boca implorando prazer. Abraçaram-se, beijaram-se, rolaram, arranharam-se e, entre grunhidos e palavrões, tiveram uma noite de sexo como nunca houve na história deste país.

No outro dia, Romeu voltou tenso. Tinha nova confissão a fazer, coisa bem mais grave. Confessar o quê, desnaturado? Eu traí você novamente, mas dessa vez foi traição carnal mesmo. Como assim, você enlouqueceu? Ontem à noite, quando nós fizemos sexo, em momento algum eu fiz com você. Fiz com ela, a enfermeira do laboratório. Não resisti a sua fantasia e dei asas à minha imaginação. Mas, repito, sou homem de uma mulher só, por isso quero continuar com ela. Agora, claro, tudo vai depender de você. É pegar ou largar. Julieta pegou. Ela de enfermeira e ele de amigdalite estão fantasiando loucuras. Julieta virou sorvete e o quarto, uma UTI do mais louco prazer. Por enquanto, são felizes para sempre.

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais. [email protected]





publicidade
As Mais Compartilhadas no Face
(SF) © Copyright 2024 Jornal da Cidade - Todos os direitos reservados - Atendimento (14) 3104-3104 - Bauru/SP