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21/09/18 07:00 - Opini�o

Vai com Deus, Sap�o...

Vitor Oshiro

Ontem, Pirajuí ficou sob uma nuvem cinzenta durante todo o dia. Muito além das condições climáticas adversas, o sol não deu as caras no município por conta da morte de Rafael de Souza Pfeifer, o Sapão. Mais uma vítima da intolerância em que estamos mergulhados há tempos. Vítima de um soco que derrubou um homem grande, despedaçou uma família unida e tirou lágrimas praticamente de uma cidade inteira (leia a reportagem na página 12 da edição impressa ou digital).

Nas redes sociais, uma pororoca de sentimentos: um mar de postagens com símbolos de luto e frases de como ele deixará saudade se encontrava com um rio de indignações com o fato de o agressor estar respondendo em liberdade.

Enquanto eu lia cada uma das manifestações, não conseguia refletir sobre o fato em si. Não pensava em brigas, justiça, pena de morte, prisão, o vídeo do soco, em quase nada. Somente conseguia me lembrar do Sapão de uns 15, 20 ou 25 anos atrás. Do Sapão meu vizinho. Não aquele vizinho de três quadras acima. Do meu vizinho de muro mesmo.

Lembrava de quando mudei para aquela cada na rua Luís Vaz de Camões e ele foi o primeiro amigo que fiz ali. Lembrava de como trocávamos cartuchos usados de Super Nintendo. Lembrava de quanto um ajudou o outro com macetes preciosos para zerar aquele revolucionário Mario World. Lembrava do dia em que, sozinho em casa, cortei o pé de fora a fora ao quebrar uma porta de vidro e o Sapão me socorreu ao hospital. Lembrava do Sapão meu vizinho. Ou melhor, lembrava do Rafa, como eu sempre o chamei.

Como é difícil entender a morte, né? Ainda mais quando ela ceifa a vida de um jovem (mesmo com 35 anos, o Sapão tinha um espírito latente de juventude) de forma tão besta. Ainda mais quando ela leva embora um cara tão gente boa que sempre estava sorrindo por todo lado. Ainda mais quando a tragédia poderia ter sido evitada se não fosse a selvageria de pessoas que acham normal resolver os problemas no soco (ou na bala). Em circunstâncias "normais", a morte é amarga demais para se aceitar, indigesta demais para se concordar e difícil demais para se compreender. Com todas estas "qualificadoras" então, fica totalmente impossível de se entender.

Por isso, acredito que o grande segredo é tentar decifrar a vida. Como olhar para a vida daqui por diante? Talvez, a família do Sapão tenha dado esta resposta. Mesmo diante da bomba atômica de tristeza e indignação que se abateu aos famílias com a notícia às 14h45 de ontem, decidiram que ele não morreria ali. Decidiram doar as suas córneas. Um olhar de esperança diante de um cenário de tanta desesperança.

Vai com Deus, Sapão. Que seus olhos alegres sigam firmes, vibrantes e vivos por aí. E que nós, mesmo diante de perdas e injustiças assim, não percamos a capacidade de enxergar a alegria que você sempre enxergou em viver!

Toda a força do mundo para a Salete, Zé Marcilio, Luciane e demais familiares.

O autor é editor do JC, jornalista responsável da TV USP Bauru e especialista em Linguagem, Cultura e Mídia.





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