Descortinou. Antes, o povo levava fumo, mas não sabia do que o fumo era feito. Hoje sabe. Em outras palavras: se falta algo que deveria abundar no sistema público, o motivo é corrupção. E se o autor da coisa torta demora a ir preso é porque conta com boas e caras e defesas. E, se uma vez enjaulado, consegue sair, é porque o poder de influência falou mais forte. Fumo no povo.
Dias atrás fui perguntado sobre tudo isso que está ocorrendo no Brasil. Pensei em voz alta para que meu interlocutor ajudasse na resposta: "Bem, o meu parâmetro é a minha própria honestidade". Mas... até onde ela pode ser permissiva quando um político que eu admirava pisa na bola? Aliás, existe honestidade permissiva ou só "chapa pura"?
O empoderamento do descalabro no Brasil reinou absoluto por décadas e décadas. Aí surgiu uma geração que devia ouvir bastante "Que País É esse?", da Legião Urbana, e a chavinha mudou até chegar a "era das delações". Estamos no meio do caminho: o de saber como o fumo é feito. O de corda é torcido e enrolado (torcido como o povo, enrolado como os políticos). Outubro indicará se vamos avançar. Os sinais são preocupantes. Porque é no vácuo do descrédito dos inocentes que os "santos milagrosos" costumam realizar a multiplicação dos votos. Nós já vimos esse filme. É fumo certo. Portanto, de uma vez por todas e a partir de agora, vamos todos nos informar melhor sobre os pré-postulantes que aí estão para encarar a urna eletrônica sem que o voto seja mecânico. Precisamos de convicção humana ao apertar os botões. E, passada a eleição, finalmente devemos inaugurar uma fase áurea no acompanhamento dos eleitos.
Não há mais distância no mundo. Se você quiser falar com um famoso qualquer, basta encontrá-lo nas redes sociais, mandar seu recado e poderá ter a resposta - inclusive em vídeo. Por que não adotamos a mesma desenvoltura virtual com a classe política para sugerir e cobrar? Questão de hábito. Ninguém verdadeiramente se habitua a ficar levando fumo. Passou da hora de tornar visível nossa postura vigilante para que os escolhidos façam a coisa certa. Só isso. Em outros países, é a regra. Aqui, em muitos momentos, nem exceção foi.
As páginas estão virando e, ainda que a gente tenha perdido alguns capítulos, outros clamam por uma escrita decente. O reinado do descalabro está por um fio. O que ficará em seu lugar depende do voto e do pós-voto. Votar e abandonar o processo político significa abrir as portas para os mesmos malandros de fala fácil. Que ainda vão fazer troça da nossa cara: "Nóis fumo, mas nóis vortemo".
O autor é editor do JC.