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01/12/13 05:00 - Ser

O Livro dos Prazeres Proibidos

Federico Andahazi � o primeiro a observar que �O Livro dos Prazeres Proibidos� � sua publica��o mais intensa. O motivo est� em surpreender o leitor que, crente de desfrutar uma obra de fic��o, � logo informado de que boa parte das a��es aconteceu e pode ser comprovada por documentos verdadeiros.

Como de h�bito, o escritor argentino gosta de discutir rela��es de poder. E, se sua narrativa se concentra em uma turbulenta cidade alem� do s�culo 15, Andahazi, na verdade, oferece um olhar cr�tico sobre a atualidade. Para ele, n�o se pode compreender a hist�ria de um pa�s se n�o � luz de sua sexualidade. A rec�proca � verdadeira: n�o se entende a forma que cada um exerce sua sexualidade se se desconhece a hist�ria pol�tica e social de uma na��o.

Da� o tom deliberadamente picante de sua narrativa, uma lasc�via cuja fun��o � dupla: entreter e fomentar d�vidas e compara��es. Sobre o assunto, o escritor, que participou no in�cio do m�s da Feira do Livro de Porto Alegre, onde promoveu o lan�amento de seu livro no Brasil, respondeu, por e-mail, as seguintes quest�es.

O Livro dos Prazeres Proibidos aborda o problema da censura no exato momento em que o tema se tornou atual na Argentina. Conhecendo o tom pol�tico da sua obra, n�o creio que foi coincid�ncia, n�o?
Federico Andahazi -
O passado � sempre um estratagema para falar do presente. Toda hist�ria, mesmo que ambientada na Idade M�dia, � uma par�bola da atualidade. Um autor nunca pode fugir da sua �poca, mesmo que se proponha a isso. Na verdade, o romance na ess�ncia fala da permanente tens�o entre a liberdade de pensamento e o poder. Os pol�ticos argentinos costumam usar uma frase curiosa, que v�m repetindo cada vez com mais frequ�ncia - para manifestar sua lealdade � presidente, afirmam com orgulho: �n�o sou um livre pensador, sou um militante�.

Isso ainda � comum?
Federico Andahazi
- Sim. Quem assim se expressou h� pouco tempo foi o vice-governador da Prov�ncia de Buenos Aires e a frase tamb�m foi repetida pela chefe da bancada oficialista da C�mara dos Deputados. Os militares da ditadura tamb�m se ampararam nela para justificar os crimes contra a humanidade, a tristemente c�lebre �obedi�ncia devida� (cumprimento de ordens). De um lado, � a s�ntese do fanatismo e, de outro, uma justificativa para o indiv�duo se libertar das responsabilidades no futuro. Mas ocorre que o of�cio do intelectual � precisamente o exerc�cio do livre pensar. Fico surpreso com aqueles colegas escritores que costumam pronunciar essa mesma frase.

Por que?
Federico Andahazi -
Porque eles renunciaram n�o s� � independ�ncia, mas ao pensamento. No caso daqueles que, como n�s, resistem a abandonar o pensamento cr�tico, as coisas n�o s�o simples. Como, � �poca em que surgiu a imprensa, em meados do s�culo 15, o poder insiste em ser o dono das palavras, das ideias, dos livros e do pensamento das pessoas e silenciar todo aquele que se oponha a isso.

A grande inven��o de Gutenberg � que de algum modo, usando termos do presente, ela democratizou a leitura. O livro, ent�o, deixa de ser sagrado e passa a ser profano. Creio que o livro tem uma rela��o muito direta com os novos formatos eletr�nicos e com o poder das redes sociais e dispositivos como celulares. O senhor acha que j� estamos diante de uma muta��o antropol�gica, de uma ciber-humanidade nascida numa ciberesfera?
Federico Andahazi
- Para responder a esta pergunta, � necess�rio dizer de in�cio quem foi realmente Gutenberg. Para mim, � o personagem mais importante da Hist�ria. Gra�as a ele, o saber foi democratizado como nunca antes se observou. Contudo, poucos sabem que Gutenberg jamais inventou a imprensa. Ela jamais ocorreu, � um fato m�tico. Gutenberg construiu um engenhoso dispositivo para falsificar manuscritos. Na Idade M�dia, uma B�blia implicava um trabalho de dois anos de copistas, iluminadores e encadernadores. O pre�o de um manuscrito era equivalente ao de um pal�cio em qualquer cidade da Europa.

Como ele fez isso?
Federico Andahazi -
Na imprensa clandestina que montou numa abadia em ru�nas, Gutenberg conseguiu fabricar a primeira B�blia falsa. Era imposs�vel diferenci�-la de uma feita � m�o e s� exigia um dia de trabalho. A fraude durou pouco tempo. Ele foi descoberto em flagrante e levado a ju�zo. Quando a Igreja descobriu o potencial da sua inven��o, deparou-se com dois cen�rios: um bom e outro aterrador. O bom era que, gra�as � imprensa, poderia difundir os livros sagrados em grande escala. E o mal era que o temido Index Librorum Prohibitorum, a lista dos livros proibidos, poderia inundar as bibliotecas e as mentes dos futuros leitores �vidos de conhecimentos n�o sagrados.

E o que seria do futuro do livro se ele n�o tivesse feito isso?
Federico Andahazi -
Sem o surgimento deste maravilhoso fraudador, o livro teria continuado a ser um objeto sagrado e jamais teriam surgido os escritores. A partir de Gutenberg, a literatura tornou-se literalmente uma profana��o, um delicioso sacril�gio. Mas talvez o mais interessante � que o primeiro livro impresso foi um livro pirata. Toda a ind�stria editorial teve por base aquela fraude original. Hoje ocorre o mesmo - o primeiro livro eletr�nico foi um arquivo criado para piratear um livro em papel e difundi-lo pela internet. Se podemos ler e tamb�m escrever nos celulares, � gra�as a um hacker que, sem se propor a isto, criou a ind�stria do �e-book�, o livro eletr�nico.

O livro mostra uma mudan�a do poder, ou seja, a imprensa de Gutenberg surge como uma enorme ferramenta de democratiza��o e difus�o contra uma Igreja detentora de todos os poderes. Como v� essa mudan�a?
Federico Andahazi
- O poder sempre concebe ideias para preservar o status quo. Como disse antes, � certo que o livro impresso democratizou a difus�o das ideias e o livro deixou de ser sagrado para se tornar profano. Mas a condi��o sacr�lega do livro durou muito pouco tempo. Quando o poder n�o pode ir contra a corrente, ent�o ele a bendiz e a declara santa. Foi o que sucedeu com os livros. Rapidamente, a literatura teve de abandonar sua luta contra a censura para combater algo muito mais destrutivo: a sacraliza��o. Hoje, lamentavelmente, a literatura voltou a ser sagrada.

Como assim?
Federico Andahazi
- O poder construiu um pedestal de m�rmore, alto e escorregadio, de modo que s�o poucos o que desejam chegar a ela. O mais pat�tico � que muitos escritores acreditam nesse papel de cl�rigos laicos e andam pelo mundo predicando, crendo-se superiores ao resto dos mortais. Esquecem que s�o filhos de um fraudador chamado Gutenberg e n�o daqueles que o julgaram.

O livro tamb�m narra uma hist�ria policial. O senhor acha que existe uma forte rela��o entre a literatura de suspense e a psican�lise, no sentido de que existe sempre, em ambas, uma verdade oculta a ser descoberta?
Federico Andahazi
- H� muito tempo deixei de ser psicanalista. Neste sentido, tamb�m me declaro agn�stico. Mas sim, de fato, O Livro dos Prazeres Proibidos � essencialmente uma hist�ria policial cl�ssica. Come�a com um homic�dio e, a partir desse momento, o leitor vai desejar saber quem � o assassino. Contudo, n�o creio que se trata de descobrir uma verdade oculta. Talvez esteja mais inspirada na vertente de Edgar Alan Poe de A Carta Roubada, em que ningu�m consegue ver a verdade porque ela est�, precisamente, diante dos olhos de todos. A condi��o para um romance policial funcionar � colocar � vista do leitor todas as pistas para que, casualmente, ele consiga descobrir o assassino.

Quando surgiu a ideia que lhe inspirou a escrever O Livro dos Prazeres Proibidos?
Federico Andahazi -
A ideia original n�o inclu�a Gutenberg. Deveria ser uma hist�ria de suspense ambientada na �poca em que foi desencadeada uma guerra surda entre os primeiros impressores e os �ltimos copistas. Sempre me pareceu fascinante a figura do monge copista. Os copistas passavam dias, meses, anos, gera��es, copiando s�mbolos cujo sentido ignoravam. Eram iletrados, analfabetos. Deste modo, os textos estavam a salvo. Quem n�o sabe ler n�o pode adulterar um livro. Eu me pergunto at� que ponto cada um de n�s n�o �, no fundo, um monge copista: vivemos praticando atos de maneira autom�tica, repetitiva, sem discernimento, sem entender o porqu� e para qu�. � muito inquietante a ideia de algu�m ter escrito nossa exist�ncia e n�s n�o fazemos mais do que repetir coisas sem compreender seu sentido.

At� que ponto � importante o ingrediente sexual neste livro?
Federico Andahazi -
O sexo � um dos principais pilares da hist�ria. A rela��o entre o poder, a sexualidade e o af� pelo controle do desejo � o elemento principal que atravessa a hist�ria do princ�pio ao fim, at� hoje. No romance, aparece um livro m�tico, o Libri Voluptation Pribiturum, ou seja, O Livro dos Prazeres Proibidos. Naquelas p�ginas, estavam todos os segredos da sexualidade desde a �poca da Babil�nia at� a Idade M�dia. A Igreja ignorava se esse livro existia de verdade, mas a ideia de que ele poderia se massificar, gra�as ao dispositivo inventado por Gutenberg, era aterrorizadora. O leitor vai tentar descobrir a mesma coisa que o assassino procura: quem esconde O Livro dos Prazeres Proibidos. Claro que n�o vou contar o final do livro.




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