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04/08/13 05:00 - Opini�o

Mais �gua no feij�o

Zarcillo Barbosa
O ambiente � totalmente diferente daquele deixado quando da sua morte, em 1226. A Ordem havia se transformado numa Companhia. A min�scula igreja de Porci�ncula onde viveu e morreu a mando de Deus hoje est� dentro de uma igreja maior, a de Santa Maria dos Anjos, na �mbria. Na sala do Conselho viam-se equipamentos estranhos: telefones, computadores, aparelhos de fax manuseados por um quadro de secret�rias elegantemente uniformizadas. O ambiente � dominado pelas portas de a�o de um cofre-forte. A �Segunda Vida de Francisco de Assis� come�a assim. Trata-se de uma pe�a teatral de Saramago, encenada pela primeira vez em 1987, no qual o santo se surpreende ao voltar � terra e perceber que a Ordem por ele fundada se afastara � para bem longe � dos ideais do carisma da fraternidade. Agora, na pe�a, os franciscanos governam, fabricam, admitem, gerem, contam e pesam de acordo com as leis do mercado. Elias, o prior da Companhia explica que o mundo mudou e � preciso acompanhar os ares da modernidade. Francisco insiste no retorno � pobreza, dentro do conceito evang�lico que o fez santo: �Se queres ser perfeito, vai e vende o que tens, d�-o aos pobres e ter�s um tesouro no c�u�.

Por sugest�o do leitor Elsio Santiago tento estabelecer um paralelo entre a miss�o do papa Francisco, tamb�m surpreso com o que encontrou no Vaticano, e a decep��o de Francisco de Assis ao ver a sua obra desvirtuada, �transformada numa empresa de resultados�. Ao contr�rio da bem gerenciada companhia franciscana de Saramago, o Banco da Santa S� enfrenta dificuldades com os esc�ndalos financeiros produzidos por monsenhores nada santos. O �ltimo fato estrepitoso foi o flagrante do transporte ilegal de 20 milh�es de d�lares para a Su��a. O novo diretor ali colocado para arrumar a casa, agora � acusado de ter mantido relacionamento homossexual, que a B�blia, desde o Lev�tico chama de �abomina��o�: os homens se deitarem com outros homens, como se fossem mulheres. Os cardeais que trabalham na C�ria s�o santos, segundo o papa Francisco. Com a ressalva de que uns s�o mais que outros. Sacerdotes de par�quias ricas e dioceses bafejadas pelos d�zimos e esp�rtulas com �gios preferem carros importados. Eles se convenceram de que a pobreza nada tem de santificada. Dura miss�o dos Franciscos. O de Assis preferia o antigo ep�teto de �protetor dos animais e da natureza�. Dava menos trabalho e decep��es cuidar dos n�o-humanos. Agora se compreende porque Bento XVI renunciou. Coisa rara entre os detentores de tanto poder. Sua Santidade percebeu que n�o tinha sa�de para dar conta dessa remiss�o da Igreja. Tal qual no teatro de Saramago, Francisco de Assis acaba destitu�do pelo Conselho. Procura aliado entre os pobres, com os quais sempre teve identifica��o. Pedro, o rei dos pobres lhe d� uma resposta arrevesada: �N�o somos pobres iguais. Tu tornaste pobre para ganhar o c�u e n�s pobres fomos e pobres continuaremos a ser, nem a terra conseguimos conquistar�. A met�fora de Saramago, comunista sincero, cria um S�o Francisco que, em sua segunda apari��o no mundo decide mobilizar suas energias para lutar contra a pobreza. Na sua autocr�tica parece compreender que al�m da salva��o individual, como havia pensado ao decidir-se pela pobreza absoluta, � necess�rio que todos se voltem para a salva��o coletiva j� nesta terra, para que atrav�s de uma a��o pol�tica, social e econ�mica, seja fundado um novo humanismo baseado no respeito ao homem como gente. � provocante o tema proposto pelo leitor, que me honrou com o convite de botar mais �gua no feij�o. O teatro e a literatura podem ser discursos ativos voltados para o realismo social. Baudrilard chamava de �disfun��o� achar que tudo pode ser exorcizado numa perspectiva religiosa de salva��o.

A Igreja cat�lica, desde a Confer�ncia de Medellin, em 1968, fez eclodir na Am�rica Latina a pastoral dos pobres. Ela semeia, desde ent�o, a consci�ncia do engajamento atrav�s a postula��o da justi�a social. O arcebispo Cl�udio Hummes, ele mesmo um franciscano, � um dos fundadores dessa a��o pastoral, ao lado de Arns e Lorscheider. D. Cl�udio � o autor da sugest�o dada ao cardeal Bergoglio, logo depois da sua elei��o, para que adotasse �Papa Francisco� e assim passar a ser conhecido per omnia saeculo saeculorum, como um guerreiro contra as tenta��es do dinheiro e da opress�o.

Igual ao Francisco de Saramago, a Igreja levou s�culos para descobrir que de nada adianta pedir aos pobres o que os pobres n�o podem fazer: acabar com os ricos.

O autor, Zarcillo Barbosa, � jornalista e articulista do JC




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