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05/05/13 03:00 - Opini�o

Os excomungados

Zarcillo Barbosa
O epis�dio do an�tema do padre Beto remeteu-me a um filme franc�s do tempo do preto & branco. O t�tulo original, �Le d�froqu�, traduz-se por �aquele que abandonou o h�bito religioso�. Em portugu�s arcaico o voc�bulo correspondente seria �despadrado� - quem deixou de ser padre. O enredo do filme e as motiva��es s�o diferentes do caso bauruense. Mas serviu-me para reavivar cenas antol�gicas que durante muitos anos impressionaram o meu imagin�rio de crian�a religiosa. Rompido com a igreja o ex-padre cai na vida libertina, cheia de mulheres e festas. Seu antigo colega, amigo desde os tempos do semin�rio permanece fiel ao sacerd�cio, com seus ritos e a hierarquia verticalizada. � este padre-anjo que vai atr�s do rebelde para convenc�-lo a se redimir. Encontra-o num cabar�. Travam uma discuss�o doutrin�ria. Segundo o enredo, quem � ordenado padre recebe a miss�o irrenunci�vel da administra��o dos sete sacramentos institu�dos por Jesus. O �d�froqu�, para mostrar seu desprezo � liturgia, na mesa da boate enche um balde de vinho, estende as palmas das m�os sobre o recipiente e consagra o conte�do com palavras em latim. A bebida servida para alegrar a noitada transforma-se em �sangue de Cristo�, vinho de missa, e n�o pode ser abandonado em meio a tanto pecado e pecadores. Seu lugar � no sacr�rio da igreja. O padre-anjo, abst�mio, resolve beber todo o volumoso conte�do alco�lico consagrado, para proteger o sangue de Cristo na pr�pria entranha. Enquanto entorna o vinho os frequentadores da boate cantam o �vira, vira� e batem palmas sincopadas achando que � uma exibi��o por farra. Quis o padre mostrar com o seu sacrif�cio que Deus � todo perd�o. B�bado, na rua deserta a procura de transporte para casa, o padre-anjo encontra um caminh�o de coleta de lixo. Lamenta que o ve�culo n�o leve seres humanos. O gari responde que o lixo humano � pior que o rejeito org�nico malcheiroso. E ainda bem que n�o fazia parte da sua miss�o recolh�-lo.

�Mas, ainda que algu�m � n�s, ou um anjo baixado do c�u � vos anunciasse um evangelho diferente do que temos anunciado, seja an�tema� (G�latas, 1:8). Jesus, s�mbolo de contradi��o foi pelos homens considerado an�tema, e crucificado. Com o cristianismo a palavra an�tema passou a significar excomungado, aquele que est� fora da igreja e destitu�do dos sacramentos. Durante a Inquisi��o os processos de excomunh�o levavam anos. O de Giordano Bruno, frade dominicano italiano terminou em 1600, depois de nove anos. Era acusado de doutrinas subversivas. Suas ideias avan�adas suscitaram suspeitas por parte da hierarquia da igreja. Bruno defendia o heliocentrismo, segundo o qual a Terra e todos os planetas giravam em torno do Sol. A igreja dogmatizava o geocentrismo. A Terra � que era o centro do universo. Pensar diferente era heresia e a senten�a, a excomunh�o e a fogueira. Giordano Bruno perdoou os seus julgadores: �Talvez sintam maior temor ao pronunciar esta senten�a do que eu ao ouvi-la�. O padre Beto n�o � Giordano Bruno, mas a sua anatemiza��o deve ter sido uma tarefa desagrad�vel. O Direito Can�nico de 1917 n�o inclui os rituais de excomunh�o. Pelo notici�rio, o sin�drio bauruense trabalhou r�pido. N�o mais que horas. Galileu Galilei (1564-1642), tamb�m heliocentrista foi for�ado a desdizer tudo o que afirmava para se livrar da fogueira, em 1633. S� foi absolvido tr�s s�culos depois, em 1983, pelo papa Jo�o Paulo II. A igreja levou 300 anos para liberar as obras de Cop�rnico do Index Librorum Prohibitorum. Ele foi iniciador da astrof�sica na Idade M�dia. Temos outros excomungados c�lebres: Espinoza, Trotsky, Fidel Castro, Hitler. A heresia de contrapor o pensamento cient�fico ao pensamento dogm�tico religioso sempre gerou conflitos. Pascal tem consci�ncia da impossibilidade da f� se fundar na raz�o. Mas integrou a d�vida e a raz�o na F�.

Para um defensor da racionalidade � dif�cil ver-se obrigado a abdicar das suas verdades. O fil�sofo Edgar Morin (Meu Dem�nios) disse que tenta faz�-las dialogar � a raz�o e a f�. Padre Beto n�o � Galileu, mas poderia ter murmurado aos seus julgadores �Eppur si muove!� (contudo ela se move). O Sol e todos os planetas podem at� girar em torno da Terra, por uma quest�o de f�. Mas a terra tamb�m se move, pelas regras do Universo. Milh�es de homossexuais deixaram os arm�rios e querem amar em liberdade. Eles existem. Al�m do pecado. Um milh�o de abortos clandestinos s�o feitos no Brasil, por ano. Trezentas mulheres morrem dessa pr�tica por falta de cuidados m�dicos e assepsia. S�o jovens, negras, analfabetas, pobres, religiosas e excomungadas pela sociedade. Aborto � um problema de sa�de p�blica e de caridade. Como tal precisa ser tratado. Se rezar tamb�m ajuda, ent�o oremos.


O autor, Zarcillo Barbosa, � jornalista e articulista do JC




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