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21/08/09 03:00 - Cultura

O �ltimo petardo e Raul j� podia partir

H� exatos 20 anos, o Maluco Beleza voltou �s paradas ap�s a not�cia de sua morte,em raz�o de uma parada card�aca, j� esperada por pessoas pr�ximas

Edmundo Leite /Com Reda��o
Quando velhos sucessos de Raul Seixas come�aram a tocar repetidamente nas r�dios na tarde daquela segunda-feira, 21 de agosto de 1989, n�o foram poucos os que se surpreenderam. Com Raul ausente das paradas desde �Cowboy Fora da Lei�, dois anos antes, escutar antigos hits como �Ouro de Tolo�, �Gita�, �Metamorfose Ambulante� e �Maluco Beleza� no meio da programa��o regular - que ent�o ia da revela��o Marisa Monte a Chit�ozinho e Xoror� e Milli Vanilli, passando por Legi�o Urbana - deveria significar alguma coisa. E a not�cia n�o demorou a chegar.

Se, para muitos, foi uma surpresa, para os que acompanhavam o artista de perto era mais que esperado. Suas �ltimas apari��es p�blicas causavam um misto de choque e como��o. Mesmo com a sa�de bastante debilitada, a lenda do rock brasileiro arrastava multid�es em seus shows. Apoiado pelo amigo e disc�pulo Marcelo Nova, acabara de realizar uma extensa e bem-sucedida excurs�o por todo o Pa�s.

A derradeira apresenta��o foi em Bras�lia, poucos dias antes de ser encontrado morto no modesto apartamento onde morava sozinho em S�o Paulo. A semana que se seguiu ao show no Planalto Central seria de descanso e de prepara��o para as atividades programadas para o lan�amento do disco gravado nos intervalos das apresenta��es pelo Brasil.

�A Panela do Diabo�, batizado pela dupla por inspira��o de evang�licos que distribu�am panfletos comparando Raul ao Belzebu na porta de um show no interior de S�o Paulo, era o resultado da parceria que uniu os dois irrequietos baianos no momento em que o Pa�s vivia uma de suas mais importantes transi��es.

As primeiras apresenta��es conjuntas de Raul e Marcelo foram na Concha Ac�stica do Teatro Castro Alves, em Salvador, a apenas duas semanas da promulga��o da Constitui��o de 1988. Mais que um marco hist�rico, a nova Carta tinha um efeito pr�tico para o roqueiro. Ap�s quase 20 anos de carreira, pela primeira vez ele estaria legalmente livre para dizer o que quisesse, como pregava a sua constitui��o, o manifesto da Sociedade Alternativa.

Junto com a volta das garantias coletivas e individuais, a Constitui��o Cidad� - como Ulysses Guimar�es a batizara - acabava de vez a censura �s obras art�sticas, mantida no governo civil de Sarney mesmo ap�s a sa�da dos militares do poder e que ainda naquele 1988 havia proibido a execu��o p�blica de �N�o Quero Mais Andar na Contram�o�, do fraco disco �Pedra do G�nesis� que antecedeu o encontro de Raul com Marcelo.

Motiva��o

Se os novos tempos traziam liberdade total de express�o, o que faltava agora a Raul era motiva��o. Diab�tico, com uma pancreatite cr�nica decorrente do alcoolismo e rec�m-separado da �ltima das cinco mulheres com quem foi casado, estava depressivo e amargurado. O sarcasmo, a ironia e a �ndole zombeteira e verborr�gica que por anos marcaram suas apari��es e m�sicas deram lugar a uma figura calada.

O convite do ex-l�der do Camisa de V�nus para os shows - junto a um necess�rio acompanhamento m�dico - deu uma inje��o de �nimo em Raul. J� na chegada a Salvador para as primeiras apresenta��es, a dupla chegou zombando de Gilberto Gil, que dava na capital baiana os primeiros passos da carreira pol�tica que culminaria anos depois com o cargo de ministro da Cultura no governo Lula. O atual presidente, na �poca disputando a sua primeira elei��o presidencial, tamb�m foi alvo da dupla.

Com a in�dita campanha eleitoral para a escolha do novo presidente a pleno vapor em meados de 1989, o magro barbudo e Marcelo declaravam que n�o acreditavam em algu�m que n�o ria, referindo-se � sisudez do petista, considerada um dos principais fatores de rejei��o a ele.

Apesar do calor da disputa eleitoral enquanto corria a turn�, a sucess�o pol�tica especificamente n�o serviu de inspira��o para as composi��es da nova dupla. Mas outros temas que estavam nas p�ginas de jornais e nos notici�rios da TV n�o passaram despercebidos.

Em meio �s celebra��es ao �rock�o antigo� e can��es autobiogr�ficas, a panela preparada por Raul e Marcelo misturava Salman Rushdie, Sting e cacique Raoni em �Best Seller� e ainda davam uma espinafrada em Edir Macedo na divertida �Pastor Jo�o e a Igreja Invis�vel�: �Pois eu transformo �gua em vinho, ch�o em c�u, p�o em pedra, cuspe em mel/Para mim n�o existe imposs�vel/pastor Jo�o e a Igreja Invis�vel.�

Vinte anos depois, com os mesmos personagens ainda protagonizando os notici�rios n�o deixa de ser premonit�ria a senten�a da j� citada �Best Seller�, que dizia que, no final, bandido casa com o mocinho.

Mas os pontos altos eram mesmo as que olhavam para dentro, para tr�s, ou para o futuro, com a mistura de balan�o de vida com testamento de �Banquete de Lixo�: �Meu amigo Marceleza/j� me disse com certeza/ n�o sou nenhuma fic��o/ e assim torto de verdade/com amor e com maldade/ um abra�o e at� outra vez.�

Raul n�o viveria para ver o relativo sucesso do disco. Morreu aos 44 anos, no dia em que o LP chegava �s lojas. Tamb�m n�o viu o resultado daquelas elei��es, a iminente queda do Muro de Berlim, a chegada da MTV, os anos 90, a Internet... que talvez poder�o ser cantadas por algu�m daqui 10 mil anos.


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Ecos da sociedade alternativa: �dolo ter� homenagens

As �vi�vas� de Raul Seixas v�o tirar as barbas de molho hoje. Em S�o Paulo, est� prevista uma grande concentra��o de malucos beleza em uma caminhada que celebra Raulzito, saindo da frente do Teatro Municipal, em S�o Paulo, at� a Pra�a da S�.

A partir de hoje, no Museu Afro Brasil, no Parque do Ibirapuera, est� instalada a exposi��o �Raul Seixas, o Prisioneiro do Rock�, uma homenagem fotogr�fica ao baiano feita pelo cineasta e fot�grafo Ivan Cardoso, o criador do subg�nero �terrir�. S�o 30 fotografias em grande formato. A entrada � gratuita.

�Quem for ao Museu Afro Brasil, ir� ver muito mais do que fotografias do Raul. Ver� um instante m�gico vivido pelos dois personagens: fot�grafo e fotografado, uma intera��o alcan�ada aqui por esse bruxo, esse capeta inquieto e destemido, capaz de ler e ver o infinito das coisas�, disse Emanoel Ara�jo, diretor do museu, � equipe de divulga��o da mostra.

Amanh�, �s 13h, na Galeria do Rock (rua 24 de Maio, Centro), ser� lan�ado o livro �Raul Seixas - Metamorfose Ambulante�, de Mario Lucena, Laura Hokan e Igor Zinza, com coordena��o de Sylvio Passos, presidente do f�-clube de Raul.

O livro, segundo os autores, � �resultado de uma ampla pesquisa sobre os conceitos filos�ficos que Raul Seixas usava em suas m�sicas e cultuava como o niilista do s�culo 19, Arthur Schopenhauer; o herm�tico Crowley, do s�culo 20, j� na fase com Paulo Coelho; e Sartre�. Os autores analisam diversas can��es da obra do baiano, como �Trem 103� (1968), �Mosca na Sopa� (1973) at� �Nuit� (gravada em 1989, ano da sua morte). Mostra sua proposi��o da instala��o de uma �sociedade kavernista (1971)� (nome de disco que Raulzito fez com Edy Star, Miriam Batucada e S�rgio Sampaio) at� a sociedade alternativa de 1977, �um lugar m�gico como o castelo de Hogwarts de Harry Porter�, assinalam os escritores.

�Vinte anos depois da sua morte, continuamos descobrindo Raul Seixas - ver, entender e compreender o homem por tr�s do Maluco Beleza�, disse o escritor Mario Lucena.

Raulzito tamb�m vai ao teatro. �s 21h, no Teatro Commune (rua da Consola��o, 1218; 11-3476 0792; www.commune.com.br ), estr�ia o espet�culo �� Espera do Trem das 7�, escrito e encenado por Samuel Luna. Segundo o autor, a pe�a est� estruturada em torno de 16 m�sicas do baiano, e descreve a sua trajet�ria art�stica de um �dolo �que se diluiu em seu pr�prio sucesso e acabou perdendo a briga para o alcoolismo, morrendo com somente 44 anos, sozinho em seu apartamento�.


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Morte e depois

�A Panela do Diabo�, disco de Raul Seixas em parceria com Marcelo Nova, foi lan�ado pela Warner Music um dia ap�s sua morte. Raul faleceu em 21 de agosto de 1989, aos 44 anos. Seu corpo foi encontrado �s 8h, por sua empregada, Dalva. Ele foi v�tima de parada card�aca: seu alcoolismo, agravado pelo fato de ser diab�tico, e por n�o ter tomado insulina na noite anterior, causaram-lhe uma pancreatite aguda fulminante.

O LP �A Panela do Diabo� vendeu 150 mil c�pias, o que rendeu a Raul um disco de ouro p�stumo, entregue � fam�lia e tamb�m a Marcelo Nova.

Depois de sua morte, Raul permaneceu nas paradas de sucesso. Foram produzidos v�rios �lbuns p�stumos, como �O Ba� do Raul� (1992), �Metamorfose Ambulante� (1993), �Documento� (1998), �Anarkil�polis� (2003) e �Raul Seixas - S�rie BIS Duplo� (2005). Sua pen�ltima mulher, Kika, j� produziu um livro do cantor (�O Ba� do Raul�), baseado em escritos dos di�rios de Raulzito desde os 6 anos at� a sua morte.

Na pr�xima semana, chega �s lojas �20 Anos sem Raul Seixas�, kit com um �lbum de grandes sucessos e o DVD com o v�deo �Raul Seixas tamb�m � Documento�, lan�ado em VHS, em 98, com 30 minutos de clipes, apresenta��es em programas e shows, al�m de imagens de arquivo pessoal. A faixa in�dita �Gospel�, censurada pela ditadura militar, � um dos destaques do especial.




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