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Em Bauru, seis d�cadas cuidando dos que sofrem

Rodrigo Ferrari
Sempre que algu�m vai visitar Sebasti�o Paiva, 99 anos, ele faz quest�o de que a pessoa assine um livro de visitas que fica na antessala de seus aposentos. Ele explica que gosta de manter os registros referentes a todos que v�o v�-lo. �Depois, em minhas preces, pe�o aos esp�ritos superiores que iluminem as vidas dessas pessoas�, explica.

Quase 100 anos de idade (a serem completados no pr�ximo dia 8), 65 dos quais vividos em Bauru, e �tio� Paiva ainda encontra �nimo para se preocupar com o pr�ximo. Logo que se mudou para Bauru, foi morar na rua Ant�nio Alves, pr�xima � antiga esta��o da Companhia Paulista de Trens (a Paulista), no Centro.

�Lembro-me de que, naquela �poca, havia um trem que parava na esta��o � meia-noite. Vinha repleto de imigrantes, gente que n�o tinha nem o que comer�, conta. Para tentar minimizar o drama daquelas pessoas, �seo� Paiva costumava recolher p�es amanhecidos nas padarias da cidade e depois servi-los aos viajantes no Albergue Noturno.

Esse trabalho foi crescendo pouco a pouco at� que, em janeiro de 1946, Paiva fundou oficialmente a Associa��o Beneficente Crist�. No princ�pio, a entidade contava com alguns c�modos no Jardim Bela Vista, constru�dos por volunt�rios (a maioria ferrovi�rios), aos finais de semana, e destinados a crian�as e m�es que n�o tinham onde morar.

Em 1948, com ajuda do ent�o gerente de banco Roberto Previdello - a quem Paiva se refere como �meu s�cio� -, Paiva conseguiu adquirir uma propriedade de 50 alqueires no Munic�pio, para onde eram encaminhadas as fam�lias desprovidas de fonte de renda.

Previdello, que tinha bom tr�nsito entre fazendeiros e empres�rios, conseguia arrecadar quantias expressivas para as obras assistenciais de �seo� Paiva, explica Ana Aparecida Camillo, 86 anos, mais conhecida como dona Anita.

Sobrinha de Previdello, Ana � considerada o �bra�o direito� de �seo� Paiva. Ela passou a atuar como volunt�ria na entidade em 48, logo ap�s ter ficado vi�va. �Naquela �poca, fui morar com meus pais. Fiquei sabendo, ent�o, que havia um senhor na Bela Vista que estava precisando de volunt�rios para suas obras assistenciais. Resolvi oferecer minha ajuda�, conta.

Na d�cada seguinte, �seo� Paiva enfrentaria dois dos momentos mais dram�ticos de sua vida. Em 1950, sua m�e, Rita Godoy Paiva passou a sofrer de s�rios dist�rbios mentais. �Era preciso passar a noite inteira tomando conta dela�, recorda-se o filantropo.

A doen�a da m�e fez �seo� Paiva olhar com mais aten��o para aqueles que enfrentavam problemas parecidos. �Procurei meu �s�cio� e disse que era preciso construir um hospital psiqui�trico na cidade�, conta. A institui��o funcionou at� 2006, quando teve de fechar as portas devido a problemas financeiros.

Por pouco, por�m, �seo� Paiva n�o viu o sonho do hospital se concretizar. Em 53, ele foi acometido de uma grave inflama��o no aparelho digestivo. Ficou v�rios dias de cama e acabou desenganado pelos m�dicos. �Eu sabia da gravidade do meu problema e n�o tinha medo de morrer, s� que eu orava a Deus pedindo que me ajudasse a terminar o hospital�, diz.

Certa noite, uma m�dium bauruense identificada apenas como dona Bernarda foi at� a antiga Santa Casa (hoje, Hospital de Base) visitar �seo� Paiva. �Ela fez uma ora��o pela minha sa�de. No dia seguinte, eu j� estava curado. O m�dico que cuidava de mim disse que aquilo foi um milagre�, afirma.

Hoje, �s v�speras de seu centen�rio, �seo� Paiva leva uma rotina pacata. Acorda por volta das 5h, liga o r�dio em volume bem alto (ele tem problemas de audi��o) e ouve o notici�rio da manh�. Em seguida, liga a televis�o para acompanhar os telejornais.

�Na TV, aparece muita gente morrendo. Fico triste. Esse progresso de que tanto falam criou as armas que hoje matam os inocentes�, diz. As refei��es de �seo� Paiva costumam ser frugais. �Ele come de tudo, s� que em pequenas quantidades. � bastante ponderado�, garante dona Anita. �� comida de pobre�, brinca o filantropo, que gosta de se manter informado sobre a conjuntura pol�tica do Pa�s.

Ele � telespectador ass�duo da TV Senado. �A gente costuma ver muita roubalheira e trapa�a no Congresso�, critica. Carism�tico e conhecido pela maioria da popula��o da cidade, �seo� Paiva nunca quis saber de entrar para a pol�tica. Nunca, na vida, manifestou-se a favor ou contra qualquer partido que seja. �� que, na pol�tica, j� tem gente demais, e na assist�ncia n�o tem ningu�m. Prefiro continuar cuidando dos pobres�, explica.


�Eu n�o sou muito de sorrir�


Uma das principais caracter�sticas de Sebasti�o Paiva, 99 anos, � a serenidade. Fala de maneira pausada e jamais levanta a voz, mesmo que esteja bastante contrariado. Dificilmente chora e quase nunca d� gargalhadas. �N�o sou muito de sorrir. J� vi muitas coisas tristes nessa vida�, diz. Acompanhe trechos da entrevista que ele concedeu ao Jornal da Cidade.

Jornal da Cidade - Prestes a completar 100 anos de vida, o senhor acredita j� ter cumprido sua miss�o?
Sebasti�o Paiva
- Minha miss�o � permanente, pois a pobreza e a mis�ria nunca acabam - s�o como formiga sa�va. Sou esp�rita e acredito que, quando eu desencarnar, continuarei cuidando dos necessitados nas outras vidas.

JC - � poss�vel dizer que o mundo ser� melhor no dia em que n�o precisar mais do trabalho de pessoas como o senhor?
Paiva -
Sonho com o dia em que a humanidade alcan�ar� tal estado de perfei��o. Nesse dia, cada ser humano cuidar� de seu irm�o e n�o haver� mais pobreza, fome ou mis�ria. Existe sofrimento demais neste mundo. J� vi muitas coisas tristes em minha vida. Acho que, por esse motivo, eu n�o sou muito de sorrir.

JC - Para o senhor, o que � a felicidade?
Paiva -
Ser feliz � realizar todos os seus objetivos e sonhos.

JC - O senhor disse que tem dificuldades para sorrir e que ainda tem uma longa miss�o pela frente. O senhor se considera uma homem feliz?
Paiva -
Muita gente sorri, mas tem o �ntimo carregado de tristezas. Sou muito feliz, feliz de verdade, pois sei que irei reencarnar para continuar servindo os pobres e necessitados.




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