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15/03/09 03:00 - Opini�o

Torcedor de carteirinha

Zarcillo Barbosa
�Se o povo soubesse como s�o feitas as leis e as salsichas...� A frase incompleta do chanceler Otto von Bismarck, no in�cio do s�culo passado fez o povo alem�o refletir. Afinal, por que os governantes inventam tantas leis? Como � que os fabricantes conseguem dar aquela liga consistente e cor homog�neas �s salsichas? Bismarck estava preocupado com a qualidade das leis. No Brasil padecemos, no entanto, dos dois males: qualitativo e quantitativo. De 5 de outubro de 1988 � data da promulga��o da Constitui��o brasileira � at� 5 de outubro de 2008 foram editadas no Brasil, 3 milh�es e 700 mil normas jur�dicas, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tribut�rio. Mais precisamente: 3.776.364 normas. Em m�dia foram criadas 517 normas por dia. Em mat�ria tribut�ria foram 240.120 normas � duas por hora. �Corrupt�ssima res plublica, plurinae legis� � o mais corrupto dos Estados tem o maior n�mero de leis, diziam os romanos. Na quinta-feira ouvi o presidente Lula anunciar o envio ao Congresso de um projeto de lei que �criminaliza� a viol�ncia de torcedores nos est�dios. Vai criar a �carteirinha� para os torcedores bem-comportados. Quem n�o a tiver, n�o entra. Pelo menos pela porta da frente. Sempre haver� um jeitinho para os mais amigos ou com dinheiro da propina. As novas medidas visam dar um ar civilizado aos est�dios brasileiros, na Copa do Mundo de 2014.

Na Europa n�o existe torcedor de carteirinha.Os hooligans (bandos de desordeiros) foram contidos com a aplica��o dos rigores das leis j� existentes. Depois de cumprida a pena na cadeia o juiz ainda obriga o bagunceiro contumaz a comparecer � Delegacia de Pol�cia na hora do jogo, sob pena de voltar ao c�rcere. Mesmo assim ainda h� brigas. Dizem que existe em todo homem um hooligan adormecido, que o coro das arquibancadas faz despertar para a viol�ncia. Rompe qualquer recalque e desafia qualquer repress�o. Os psic�logos sociais gostam de encontrar respostas para tudo. Parece veross�mil.A torcida, de fato, � uma libera��o difusa da agressividade verbal ao erigir em ladainha o palavr�o. Fortalece-se ainda com o cont�gio, nas Copas Mundiais. A competi��o esportiva desperta um patriotismo primitivo, esp�cie de uni�o sagrada acobertada de s�mbolos nobres, como as bandeiras e hinos nacionais. Nos campeonatos regionais, cada torcida tem o seu canto de guerra, seu s�mbolo, suas cores que pretendem defender at� a morte. Se a sociedade tivesse este mesmo �lan de solidariedade que as torcidas demonstram nos est�dios, ter�amos um mundo melhor. Pena que acabe com o apito do juiz, ou no caminho de casa quando a horda se dissipa depois de deixar um rastro de destrui��o. O homem � capaz de deixar a mulher amada. O clube, nunca. Uma vez Flamengo, Flamengo at� morrer. O manual l�dico-filos�fico tem o saber acumulado que enaltece e condimenta a pr�tica (e todas as teorias). Os soci�logos humanistas ingleses chegaram a culpar a pobreza e os abismos entre ricos e pobres como fatores determinantes de desmandos futebol�sticos. Ent�o, a cada semana ter�amos verdadeiros apocalipses por todo o Terceiro Mundo e em boa parte do Primeiro. Ainda mais com o �ndice de desemprego atual... Recuso-me a aceitar essas constru��es abstratas, vincadas �s vezes de ideologia, que passam por an�lises pol�ticas. As entradas para os jogos s�o caras. Acompanhar o time em viagens at� ao exterior custa muito dinheiro. Beber cerveja � satura��o exige grana. Roj�es, bombas, sinalizadores e toda a parafern�lia levada para atirar contra o �inimigo� clamam por investimentos. Pela l�gica, os baderneiros v�em da classe das camadas com poder aquisitivo. Quando crian�a ia ao campo de futebol, levado pela m�o do meu pai e me assustava ao ver cidad�os respeit�veis da minha comunidade xingar o juiz com enormes palavr�es. Chefes de fam�lia exemplares, incapazes de matar uma mosca, com profiss�o definida e vida pacata, naquele momento transformados em bestas arrombando porta do vesti�rio para ca�ar o �rbitro. Aos meus olhos de crian�a aquelas pessoas de ternos de linho branco jamais se ajustariam ao estere�tipo do marginal. Mas isto n�o os absolve. A viol�ncia no futebol acontece tamb�m, e principalmente, em pa�ses que alcan�aram alto n�vel de desenvolvimento econ�mico, cultural e institucional. Cidad�os entediados pela rotina e o autocontrole que a vida civilizada lhes imp�em, d�o se ao luxo de desmandar, vez por outra, fazendo-se de b�rbaros e permitindo-se os excessos que lhes s�o vedados na vida di�ria.

De �carteirinha� j� chega a de estudante, esp�cie de jabuticaba que s� d� no Brasil. A foto que soluciona � aquela batida pelo fot�grafo da pol�cia para ilustrar a ficha criminal. Les�es corporais, danos ao patrim�nio, rixa, tentativa e homic�dio j� est�o suficientemente tipificados no C�digo Penal. N�o precisamos de mais leis. O que falta � aplic�-las.


O autor, Zarcillo Barbosa, � jornalista e colaborador do JC




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