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12/11/06 00:00 - Ser

Supermercado de estilos

Quando se trata de moda, tudo est� dispon�vel; para atrair o p�blico, profissionais da �rea investem no �consumo pela emo��o�, investindo em tecnologia, criatividade e marketing

Cristiane Goto
Moda. A palavra � simples, mas tem significado amplo, que ultrapassa as passarelas e interfere no comportamento do ser humano. Isto porque desde a Idade M�dia, onde a indument�ria ganha novas formas e estilos, ela vem acumulando fun��es. Al�m de ser objeto de desejo e de consumo, � o recurso mais democr�tico para que as pessoas se integrem e se sintam aceitas na sociedade. A opini�o � de Luciana Parisi, consultora de moda e professora do Servi�o Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) em S�o Paulo.

Com mais de 20 anos de experi�ncia na �rea, Parisi divide seu tempo entre as aulas, a administra��o de uma empresa de consultoria de moda - da qual � propriet�ria - viagens para pesquisar tend�ncias no Exterior e a realiza��o de palestras em diversas cidades do Pa�s. Na �ltima ter�a-feira, ela esteve em Bauru participando do 4.� Senac Fashion Day, evento que durante tr�s dias antecipou as �ltimas tend�ncias em roupas e acess�rios para o inverno 2007 e promoveu uma discuss�o sobre marketing e profissionaliza��o da moda.

De acordo com Parisi, os �ltimos dez anos no Brasil foram marcados por um processo de amadurecimento da moda como neg�cio. �Moda � business. Quando se consegue organizar isto de alguma forma, � poss�vel evoluir�, aponta, em entrevista ao Jornal da Cidade. Ela explica que apesar de ser uma aquisi��o recente hoje h� uma massa cr�tica de profissionais com forma��o acad�mica especializada no mercado de moda no Pa�s e, de modo geral, as ind�strias t�xteis e de confec��o, o jornalismo de moda, as escolas e ag�ncias de modelo est�o amadurecendo e oferecendo mais informa��o para o mercado consumidor. No bate-papo a seguir, Parisi tra�a um panorama de evolu��o moda, com destaque para o processo de fragmenta��o da sociedade e suas conseq��ncias, o consumo pela emo��o, luxo e diversidade de estilos.


Jornal da Cidade - O que � moda?

Luciana Parisi
� Moda � imita��o. Ela surge no final da Idade M�dia, onde as pessoas se vestiam basicamente da mesma forma: as mulheres com grandes e longas t�nicas, e os homens com colants ajustados. Um filme que representa bem a indument�ria desta �poca � �Romeu e Julieta�. Com a chegada de estrangeiros e o maior tr�nsito de pessoas pelo mundo, aparecerem novidades e novas maneiras de se vestir e, desde ent�o, diluiu-se a id�ia do ser humano como coletivo. A moda n�o tinha apenas a fun��o de ser objeto de desejo e de consumo, mas tamb�m de organizar a sociedade dentro de suas castas. E isto se d� por meio da imita��o. A pessoa imita e se identifica com determinada pessoa ou estilo, enxerga nisto uma forma de distin��o e passa a adotar os c�digos que est�o vigendo naquele momento. � uma defini��o simples, mas, basicamente, a moda � o ve�culo mais democr�tico que existe para que as pessoas se integrem e se sintam pertencentes a um grupo porque isto � at�vico ao ser humano.


JC - Por que a moda � importante?

Parisi
� A moda � fundamental como integradora na sociedade. Todo ser humano busca esta sensa��o aconchegante e acolhedora de pertencer a algo ou algum grupo. E a moda � a maneira mais democr�tica que existe de fazer com que as pessoas se integrem e se sintam aceitas; por isto existem tantas tribos. Uma forma interessante de distin��o � quando algu�m se disp�e a inovar para que sinta �nica e diferente, dependendo de sua atitude e do seu grau de influ�ncia que ela tem no seu meio, passa a ser rapidamente imitada e a� deixa de ser �nica e diferente. E o processo continua, como num c�rculo.


JC � E as pessoas est�o buscando, cada vez mais, se tornarem �nicas?

Parisi
� Sim. Na verdade o que se observa hoje � um fen�meno relacionado ao marketing. Hoje se fala de marketing pessoal porque a sociedade atingiu um n�vel de fragmenta��o onde � quase imposs�vel falar de marketing plural e massificado. Esta fragmenta��o se d� de forma mais acelerada a partir do in�cio da globaliza��o. Quando se observa este fen�meno de grande mobiliza��o dos povos e da intera��o entre as culturas, o processo de individualiza��o ganha mais for�a. E a sociedade est� vivendo um dos momentos mais exacerbados neste sentido.


JC � E quais s�o os reflexos deste processo de individualiza��o?

Parisi
� Quando uma sociedade � muito fragmentada, isto se reflete nos processos de trabalho. Antigamente haviam grandes empresas onde as pessoas tinham empregos. Depois elas passaram a trabalhar como aut�nomas e, mais tarde, as pr�prias empresas passaram a terceirizar os servi�os. Nesta fragmenta��o do modelo de trabalho, as pessoas j� n�o se sentem mais fazendo parte desta empresa como uma grande fam�lia. E as fam�lias tamb�m se pulverizaram. H� pessoas que acumulam no curr�culo mais de tr�s casamentos e filhos de outras uni�es. Ent�o este sentimento de estabilidade e de pertencer a um grande n�cleo est� muito amea�ado.


JC � E como o processo de fragmenta��o da sociedade interfere na moda?

Parisi
- A moda vai buscar respostas para tudo o que acontece com o ser humano e oferecer formas de realizar as fantasias porque ela trabalha com sonhos desejos. O marketing vai identificar quais s�o estas mudan�as de comportamento e suas conseq��ncias, sejam elas materiais ou n�o, e apontar caminhos para que todos os segmentos de consumo - como as ind�strias t�xtil, de moda, automobil�stica e design - possam desenvolver produtos de acordo com as necessidades do ser humano. Muitas vezes estas necessidades nem foram identificadas pelo pr�prio consumidor, em diversas situa��es ele nem sabe que precisa daquilo. Um exemplo cl�ssico deste marketing � o celular. Nunca se imaginou que o indiv�duo precisasse de um telefone m�vel, mas o pr�prio aumento dos deslocamentos das pessoas fez com que surgisse um aparelho para acompanh�-las.


JC � Como os recursos tecnol�gicos interferem na evolu��o da moda?

Parisi
- A tecnologia influencia muito as mudan�as de comportamento. Por meio do celular e computador, a sociedade mudou muito a maneira de se comunicar, de se relacionar e at� de se movimentar porque quando se tem a facilidade de estar em contato com pessoas do mundo inteiro sem precisar sair de casa, tudo muda completamente. Isto afeta o comportamento das pessoas e, consequentemente, o que elas buscam em termos de consumo. Vivemos hoje a era do consumo pela emo��o. Isto se tornou uma frase-chav�o no marketing porque n�o h� mais como �pegar� este consumidor. Tudo est� dispon�vel.


JC � Isto pode ser um reflexo do supermercado de estilos, conceito discutido pela m�dia e te�ricos da moda, que diz respeito � variedade de produtos originados das subculturas urbanas?

Parisi
- Hoje se tem acesso a praticamente tudo. O consumidor tem a liberdade de fazer suas pr�prias escolhas. Na busca por ser diferente, por exemplo, as pessoas j� chegaram a interferir no pr�prio corpo por meio do uso de tatuagens. H� ainda aqueles que buscam a diferencia��o atrav�s de cicatrizes, alguns se cortam para criar relevos e mudar a pele, outros usam alargadores de orelha ou piercings. Tudo isto � uma forma extrema de buscar o embelezamento do corpo, mas � preciso ressaltar que a quest�o da beleza � muito relativa. Na �frica, as mulheres-girafa, com v�rios an�is no pesco�o, s�o consideradas bonitas. Na Jamaica, as mulheres bonitas s�o as gordas. Ent�o os padr�es est�ticos mudam muito de uma cultura para outra.


JC � Neste contexto, as cirurgias pl�sticas tamb�m influenciam a moda?

Parisi
� A moda j� tem um papel cir�rgico e cosm�tico, porque uma vez que as pessoas t�m feito tantas transforma��es no corpo atrav�s das cirurgias pl�sticas e da medicina cosm�tica, a moda tamb�m se inspira nisto e busca solu��es menos agressivas, como a utiliza��o de tecidos com alta performance e modernos na confec��o de roupas, por exemplo.


JC � Na Semana da Moda de Mil�o, modelos extremamente magras n�o ganharam destaque nas passarelas. Qual sua avalia��o sobre o assunto?

Parisi
- Na verdade, � uma forma de cr�tica porque no in�cio era bonito falar de cuidados do corpo e sobre os �ltimos recursos tecnol�gicos para a est�tica, mas quando se rompe o limite do que � sensato, normalmente os criativos � onde se incluem os designer e criadores de moda � t�m condi��es de captar estas transforma��es e fazer cr�ticas. H� uma cr�tica feita � robotiza��o do comportamento do ser humano e isto se reflete nos desfiles, onde as modelos surgiram como andr�ides nas passarelas, usando leggings com articula��es, como se fossem de rob�s. Isto � um posicionamento fantasioso porque ningu�m vai usar legging com articula��o de metal, mas n�o deixa de ser uma cr�tica, uma sinaliza��o e at� mesmo uma busca de como atingir o ideal de bem-estar dentro de uma sociedade t�o automatizada e mecanizada. E tudo isto interfere bastante na moda.


JC � Mas no dia-a-dia, n�o d� para usar tudo o que � apresentado na passarela.

Parisi
� � mais do que sabido que a moda vive da venda de acess�rios e n�o dos modelitos apresentados nas passarelas. Est� ocorrendo um movimento engra�ado: antes havia o acess�rio de moda, agora moda � o acess�rio do acess�rio porque o que movimenta as grandes cifras � a venda de �culos, bolsas, perfumes e cosm�ticos. A maioria da popula��o mundial n�o tem condi��es de comprar um vestido extremamente caro, mas se a pessoa admira muito o trabalho da Prada, por exemplo, pode comprar um �culos da marca em cinco parcelas que estar� ostentando o logo da marca com a qual ela se identifica.


JC - O que leva as pessoas a consumirem marcas de moda?

Parisi
� Todo ser humano sonha com o luxo. Sempre. Qualquer pessoa, de qualquer camada social, sonha com o luxo, que � inspirador. H� muitos livros falando sobre a necessidade do luxo na vida das pessoas. O fil�sofo Jo�ozinho Trinta diz que quem gosta de mis�ria � intelectual e � por isto que ele levava para a Sapuca� o m�ximo do luxo poss�vel nos desfiles da Beija-Flor. H� pessoas, por exemplo, que moram de forma miser�vel mas economizam todo o dinheiro que podem para, uma vez por ano, ir para a avenida vestidas de dourado, com o intuito de realizar o sonho de rainha e nobreza. Desde a pessoa mais humilde at� o milion�rio, todos t�m o desejo e a fantasia de viver o luxo. Isto est� na moda e se comprova na quantidade de dourado e brilhos que se observa na moda atualmente. Como nem todo mundo pode se cobrir de ouro, usa-se o dourado.


JC - Muitos confundem a moda com futilidade. Por qu�?

Parisi
� Porque at� muito pouco tempo, logo ap�s a 2.� Guerra Mundial, n�o havia o conceito do acesso � moda e do luxo contempor�neo como existe hoje. O luxo era restrito a uma elite. A partir do momento em que a economia mundial se reabilita e se reorganiza, as pessoas passam a ter acesso � momentos de mais glamour e eleg�ncia, mas de novo isto ficava mais restrito a uma camada mais elitizada da popula��o. Hoje em dia n�o � mais assim. A Daslu, por exemplo, oferece condi��es de pagamento em 10 vezes. � o luxo acess�vel a mais pessoas. A id�ia de que a moda � futilidade est� ligada � id�ia de luxo e elite, mas todos t�m acesso � moda. Qualquer um pode criar moda e influenciar pessoas ao seu redor, sem que isto esteja ligado ao f�til. Muitas pessoas fazem moda panflet�ria usando a indument�ria como ve�culo de express�o, protesto, engajamento pol�tico ou defesa de causas sociais, entre eles a campanha de preven��o do c�ncer de mama. E isto n�o pode ser chamado de futilidade. Apesar disto, para algumas pessoas, a id�ia de moda como futilidade ainda � um tabu que existe por conta da passagem de uma �poca de restri��o onde poucas pessoas tinham acesso ao luxo, mas hoje a sociedade evoluiu para uma democratiza��o da moda.


JC � A democracia continuar� ditando os passos da moda?

Parisi
� Sim, principalmente com a entrada da China e �ndia, que s�o dois gigantes da economia, abastecendo o mundo com produtos acess�veis e em grande volume de forma veloz. N�o existem mais barreiras. Um anel de cristal usado pela personagem da novela, por exemplo, pode ser encontrado no camel� por R$ 10,00. N�o importa o pre�o que se pagou quando se trata de uma fantasia e objeto de desejo.


JC - Programas com dicas de eleg�ncia e estilo, como �Hoje em Dia�, �Tudo a Ver� e �GNT Fashion� viraram febre na TV. Al�m disso, o luxo � tema muito abordado na novela �Cobras e Lagartos�. A que a senhora credita esse cen�rio? O Brasil amadureceu no universo da moda?

Parisi
� H� dois grandes nomes que projetaram o nome do Brasil no cen�rio internacional de moda. Um � o Paulo Borges, idealizador e produtor do S�o Paulo Fashion Week e do Rio Fashion Week, e Gisele B�ndchen. Com a explos�o do fen�meno B�ndchen, muito das aten��es dos outros pa�ses se voltaram para o Brasil e o Paulo Borges soube aproveitar muito bem este momento. Ent�o os �ltimos dez anos no Brasil foram marcados por um processo s�rio de amadurecimento da moda como neg�cio. Moda � business. Quando se consegue organizar isto de alguma forma, � poss�vel evoluir e o Brasil est� atingindo um grau importante em termos de moda. O Pa�s ainda n�o pode se orgulhar de sua capacidade de cria��o e inova��o em termos de design de moda, mas, sem sombra de d�vida, seu sistema de moda est� mais consolidado e estruturado. A forma��o acad�mica em moda � uma aquisi��o recente no Brasil, mas hoje h� uma massa cr�tica de profissionais com forma��o acad�mica especializada no mercado de moda e, de modo geral, as ind�strias t�xteis, de confec��o, o jornalismo de moda, as escolas e ag�ncias de modelo est�o amadurecendo e oferecendo mais informa��o para o mercado consumidor. E quanto mais informado este p�blico est�, mas ele valoriza e reconhece a import�ncia das cole��es que est�o sendo disponibilizadas no mercado.




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