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20/09/06 00:00 - Opini�o

Morrer jovem

Que mundo � esse em que a juventude, eterna e insepar�vel c�mplice da vida, resolve escolher a morte em tenra idade? Que planeta constru�mos para as novas gera��es se os jovens n�o querem mais viver e escolhem a morte quando t�m toda uma vida pela frente? O Canad� era um pa�s que desmentia as estat�sticas da viol�ncia do hemisf�rio norte. Quem viu o filme �Tiros em Columbine� lembra-se bem da cara espantada de Michael Moore quando, ao perguntar ao policial canadense quantas pessoas haviam morrido violentamente em sua cidade naquele ano, recebeu a resposta: �Um!� E outro dia o Anjo da Morte passou por Montreal, pelo Dawson College, na pessoa de Kimveer Gil, de 25 anos. O atirador que matou uma jovem estudante e feriu gravemente outras 19 pessoas pertencia ao movimento g�tico. Trajava preto, usava corte de cabelo estilo moicano, levava piercings de diversos feitios e tamanhos e portava uma enorme arma. Em um blog onde mantinha um di�rio, Gil � que se autodenominava Trench � referia-se a si mesmo como o Anjo da morte e exibia fotos em que aparecia sempre com uma arma e dizeres t�o amea�adores quanto: �Pronto para a a��o� e �A raiva e o �dio fervem dentro de mim�.

Em um site de cultura g�tica, Gil declarava que seu lema era: �Viva r�pido, morra jovem e deixe um corpo mutilado.� Matar e morrer: nisso consistia, segundo ele, seu mais profundo desejo e sua meta. E no cora��o de Montreal, em pleno dia, poucos minutos antes da sa�da dos alunos do col�gio, realizou seu desejo: matou e morreu. Os que presenciaram a cena dizem que tinha um semblante g�lido e um rosto impass�vel. N�o demonstrava nenhuma emo��o ou sentimento mais vis�vel aflorando em seus olhos de gelo. Apenas mirou e atirou nas pessoas que passavam a seu lado. Gil morreu em companhia daquilo que dizia mais amar: as armas. E eliminando aquilo que dizia mais odiar: as pessoas. Morreu jovem como queria, e deixou um rastro de sangue e morte. Buscando desesperadamente a vida, ou melhor, um sentido para ela, atirou-se nos bra�os da morte como um apaixonado. O mais profundo de nossos sentimentos � de compaix�o e solidariedade �s v�timas � mortos e feridos � que neste momento choram e padecem um drama. Mas fica-me no fundo do peito a sensa��o de que a v�tima maior da trag�dia de Montreal � o pr�prio assassino. Pois o que pode haver de pior e mais terr�vel do que um ser que � feito para a vida desejar a morte? Mais: o que pode haver de mais anti-vital, anti-humano, quando esses sentimentos enchem o cora��o de um jovem na flor de seus 25 anos?.

O momento � de luto pelas v�timas de Montreal. Mas � tamb�m, e n�o menos, de luto perplexo e at�nito diante da figura fria e implac�vel do assassino Trench. Ele, mais que ningu�m, nos interpela desde sua compuls�o pelo �dio e pelo crime. Ele, mais que ningu�m, nos faz bater no peito e perguntar: que mundo legamos � juventude? Que tremendo mal estar, que fruto envenenado e intrag�vel est� gerando a assim chamada sociedade do bem-estar? Que deserto constru�mos em torno dos jovens de maneira que seu �nico e mais caro desejo seja matar e morrer, sem viver, sem amar, sem gerar? Que o Deus da vida acolha em seu seio as v�timas da loucura de Gil. E que este, ainda que a contragosto, se encontre neste momento acolhido pela miseric�rdia infinita de seu Criador.


A autora, Maria Clara Bingemer, � t�ologa, professora e decana do Centro de Teologia e Ci�ncias Humanas da PUC-Rio de Janeiro




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