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30/04/06 00:00 - Geral

Entrevista da semana:�Trabalho sempre envolve conflito�

Para Osvaldo Gradella J�nior, os embates s�o inerentes �s rela��es de produ��o porque envolvem interesses inconcili�veis

Luciana La Fortezza
�s v�speras do Dia do Trabalho, uma pergunta inc�moda especialmente para a classe m�dia: s� � trabalhador quem suja as m�os de graxa nos p�tios da ind�stria? A resposta � n�o para Osvaldo Gradella J�nior, doutor em educa��o e professor do departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

De acordo com ele, qualquer um que venda sua for�a de trabalho e sobreviva dela, inclusive o intelectual, deve se reconhecer como trabalhador. Num bate-papo com o JC, Gradella apontou a mobiliza��o como o �nico instrumento capaz de impedir a escalada da explora��o sofrida por aqueles que dependem do emprego. Ele ressalta que o embate � intr�nseco nesse tipo de rela��o porque os interesses s�o inconcili�veis.

A seguir, os principais trechos da entrevista com o professor, cujas pesquisas s�o permeadas pela discuss�o da sa�de e das rela��es de produ��o.


Jornal da Cidade - O professor, o mestre, o doutor se consideram trabalhadores?

Osvaldo Gradelha J�nior
- A grande maioria n�o. A id�ia de sindicato, de fazer luta pol�tica � um problema. Sempre est� incomodando esse sujeito que n�o quer se reconhecer. Ainda h� uma id�ia bastante atrasada de que associam o trabalhador de sindicato ao sujeito do ch�o de f�brica, oper�rio do sistema industrial. Na realidade, no capitalismo, trabalhador � todo aquele que vende sua for�a de trabalho. N�o tem discuss�o, n�o adianta querer dizer que sou diferente, n�o sou. Voc� se torna um trabalhador porque voc� n�o tem mais nada al�m disso.


JC - O trabalhador que n�o se reconhece, enfrenta uma carga mais pesada de problemas profissionais?

Gradella
- O n�o reconhecimento j� � um problema de aliena��o com o pr�prio trabalho. Na realidade, a sua atividade � o que o define como sujeito.


JC � Por causa dessa aliena��o os problemas trabalhistas tendem a ser mais individualizados?

Gradella
- O capitalismo faz uma invers�o. O problema n�o � mais do modo de produ��o, mas sim do indiv�duo. � ele que na realidade n�o tem a capacidade para tal coisa, independentemente se as condi��es de trabalho s�o adequadas ou n�o.


JC � E o senhor ainda identifica esse problema na universidade?

Gradella
- Bastante, porque em todas as esferas voc� tem a reprodu��o do mesmo modo de produ��o. N�o precisa estar na f�brica. O modo de produ��o capitalista necessita de algumas estruturas que fa�am a sua manuten��o. A universidade � uma delas, tanto na produ��o do conhecimento, quanto nas pr�prias rela��es ideol�gicas.


JC � A universidade ent�o nem sempre � capaz de garantir ao aluno uma postura cr�tica?

Gradella
- O modo de produ��o inaugurou o qu�? Ele n�o s� inaugurou uma forma de gerir a economia, mas tamb�m de gerir as id�ias. Ele tamb�m traz para dentro da universidade a cl�ssica id�ia de neutralidade para a ci�ncia, como se fosse poss�vel voc� fazer isso. A universidade fomenta isso, ela � respons�vel pela manuten��o do status quo.


JC � A flexibiliza��o do trabalho sempre � ruim?

Gradella
- O capitalismo s� se afirma enquanto modo de produ��o porque ele � globalizado. Sen�o, n�o funciona. Ele depende da rela��o de explora��o dos outros. Com a id�ia de globaliza��o, voc� cria a id�ia de flexibilizar. Flexibilizar � a rela��o b�sica de perder direitos.


JC � A flexibiliza��o vem junto com o neoliberalismo...

Gradella
- A partir dos anos 90, existe um investimento maci�o do pensamento neoliberal. O capitalismo para se consolidar precisa da quest�o da ideologia. Ela � violenta. Os servidores p�blicos de Bauru estavam em greve e algumas pessoas que vivem numa condi��o t�o prec�ria quanto os grevistas estavam falando mal porque o seu interesse imediato n�o era atendido. A sa�de est� um caos em Bauru desde que eu cheguei aqui, h� 15 anos.


JC � Educada, a popula��o pode lutar contra esse estado de coisas?

Gradella
- A educa��o sempre ser� fundamental. Ela � uma base de qualquer constru��o. Mas o processo de educa��o � mais amplo do que simplesmente ter curso formal. O que o sujeito vai fazer na universidade � buscar refer�ncia de sal�rio e n�o forma��o. Agora a gente v� esse monte de gente fazendo mestrados e doutorados. Virou outra competi��o assustadora.


JC � Mas n�o tem espa�o para todos.

Gradella
- Na verdade isso � contradit�rio. Se a famosa f�brica de t�nis resolve ir para a �sia, n�o est� procurando forma��o. Ela est� procurando lugar que n�o tem direitos trabalhistas, onde ela pode explorar ao m�ximo aquela popula��o. Essa � a l�gica colocada. Essa id�ia de forma��o � uma mistifica��o. N�o tem lugar para todo mundo. Com forma��o, ou sem forma��o continua o desemprego assustador. Quem est� empregado tem um sal�rio rid�culo.


JC � E mesmo assim a classe m�dia ainda sonha em ficar rica...

Gradella
- A classe m�dia � uma gel�ia no sentido que de ela tem ilus�o que far� parte da burguesia. Ao mesmo tempo se aproxima cada vez mais do operariado, que ela tanto se incomoda porque � o cara sujo de graxa. Ela pensa que, adquirindo algumas coisas materiais, como um belo autom�vel, uma casa, mudou de classe. Tem sujeitos com sal�rios alt�ssimos que sofrem um pequeno problema de sa�de e do dia para noite n�o t�m mais nada. Por que? Porque s� tem a venda da for�a de trabalho. O burgu�s n�o precisa do emprego no sentido da minha for�a de trabalho.


JC � Trabalho significa embate?

Gradella
- No capitalismo n�o existe trabalho. Existe emprego. Trabalho � o que nos humanizou, o que transformou o primata em homem. � o trabalho de transforma��o da natureza. Ao transformar a natureza voc� � por ele transformado. Ele � embate porque o ato de transforma��o da natureza e tamb�m desse sujeito � uma rela��o de embate. Isso sempre ser�. Por�m, no capitalismo, esse embate se acirra porque n�o h� uma rela��o de transforma��o, e supera��o. Ela, na realidade, � uma rela��o de explora��o.


JC - O embate � intr�nseco.

Gradella
- Sim, mas a� voc� tem que explicar esses dois movimentos. Neste momento sempre � embate. E esse embate que se coloca hoje no capitalismo � inconcili�vel porque � imposs�vel um processo de acumula��o sem explora��o. Para voc� acabar com a explora��o, tem que acabar com a classe que faz isso.


JC � O que resta ao trabalhador frente a esse quadro?

Gradella
- Se � embate, pressup�e for�a. Se pressup�e for�a, algu�m subjugar� algu�m. Para voc� n�o ser subjugado, tem que ter for�a contr�ria. O capital tem a for�a do controle da sua vida porque ele � dono do meio de produ��o. Voc� s� tem for�a de trabalho. Por�m, a tua for�a vai ser de todos os trabalhadores tentando impedir que esse n�vel de explora��o leve � submiss�o absoluta. Organiza��o � fundamental. Ela � a �nica sa�da para quem s� tem sua for�a de trabalho para vender. N�o existe outra estrat�gia.


JC - Tem quem classifique essa posi��o como ultrapassada

Gradella
- A gente ouve isso v�rias vezes inclusive, nos c�rculos intelectuais. Tem essa discuss�o de que o capitalismo mostrou que ele � vi�vel e o socialismo, n�o. Dizer que a URSS era o exemplo de Pa�s socialista, � desconhecer o marxismo. O capitalismo � hegem�nico, ele � globalizado. O sistema socialista precisa tamb�m ser mundial, sen�o ele n�o se realiza.


JC � Mas com o tempo e a tecnologia, o trabalho mudou...

Gradella
- O trabalho est� l�. Ele pode ter trocado de lugar, mas est� l�. As pessoas acham que sair da f�brica para ir para casa mudou a qualidade. H� uma mudan�a. O dado principal da mudan�a � justamente a flexibiliza��o dos direitos de trabalho.




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