Bauru e grande região - Sexta-feira, 04 de outubro de 2024
máx. 31° / min. 12°
26/02/06 00:00 - Cultura

O direito de ser humano

Padre Beto *
Um povo estranho e de costumes diferentes havia ocupado uma pequena parte do imenso territ�rio chin�s. Irritado com a invas�o, o imperador chin�s declarou que iria exterminar os inimigos e se deslocou com seu ex�rcito para a regi�o. Tr�s dias se passaram e a corte n�o obteve nenhuma not�cia sobre o imperador. Preocupados, os principais nobres da corte se dirigiram tamb�m para a regi�o e encontraram o imperador e seus soldados em festa, comendo e bebendo com as pessoas do estranho povo. Os nobres, ent�o, se aproximaram do imperador e admirados perguntaram: �O senhor n�o iria exterminar os inimigos?� O imperador sorrindo com um copo de vinho nas m�os e abra�ando o l�der do estranho povo declarou: �Foi o que eu fiz, eu os tornei meus amigos!�

Para Nietzsche, quem deseja realmente compreender o seu universo e encontrar a satisfa��o de viver deve refletir, antes de mais nada e em toda a tranq�ilidade, sobre suas paix�es e desejos. Por exemplo, atr�s do esfor�o que muitas vezes fazemos para sermos aceitos e amados pelo grupo, encontra-se talvez a forma mais intensa de presun��o e arrog�ncia. Ao buscarmos a aceita��o de todos, a chamada unanimidade, negamos o que existe de mais precioso na humanidade, o fato de n�o sermos somente indiv�duos, mas principalmente pessoas, ou seja, seres que possuem a liberdade de pensar e escolher e, portanto, o direito de terem vis�es de mundo diferentes.

Quando alcan�amos a unanimidade, algo est� errado conosco ou com os que nos circundam. Afinal, somos semelhantes e n�o iguais. A diversidade pode, com certeza, tornar a conviv�ncia social dificultosa, mas � o aspecto que a torna mais rica e interessante e nos faz ampliar os horizontes. � beira de uma piscina ou de um lago, as crian�as se divertem ao jogarem justamente aquela crian�a que n�o se atreve a atirar-se na �gua. Aquele que por si s� se jogar na �gua n�o � alvo da brincadeira. N�s criticamos, muitas vezes, pessoas que nos dizem frases desconfortantes, quando, na verdade, dever�amos critic�-las quando somente nos dizem frases agrad�veis. Afinal, s�o essas �ltimas que nos anestesiam, nos fazem parar de pensar.

Diante da diversidade de id�ias e op��es, nos sentimos desafiados. Certamente, possu�mos a sensa��o de seguran�a quando adquirimos nossas convic��es, quando estamos convencidos dos aspectos centrais da nossa vida. Por�m, se o convencimento e a convic��o nos oferecem respostas �seguras� sobre nossos questionamentos, eles tamb�m s�o capazes de nos cegar. As convic��es s�o perigosas inimigas da verdade e criam ilus�es enganadoras. A chave para a aventura da vida est� na perda das vis�es pr�-estabelecidas e na abertura para sentir e pensar o mundo. Somente assim estamos livres para nos enriquecer com a vida e poder tamb�m enriquec�-la.

O ser humano se agarra, muitas vezes, a uma verdade, seja porque investiu nela boa parte de sua vida ou porque se sente orgulhoso demais por t�-la alcan�ado. As duas posturas s�o fruto da vaidade. Se prestarmos aten��o � vida, teremos que admitir que a realidade � muito maior do que nossas convic��es. Uma convic��o � sempre uma meia-verdade, um aspecto do universo e, geralmente, o apresenta como simples e n�o complexo. Infelizmente, a meia-verdade � sempre vencedora no reino do senso comum, pois n�o admiti-la significa reconhecer a vida como incerta. Quem diz meias-verdades se faz acess�vel, convincente e aceito por todos. Ao contr�rio, quem pensa n�o possui uma vis�o unilateral da realidade, ele supera o unilateral e diante dos outros se transforma facilmente em uma pessoa n�o t�o agrad�vel.

Para um conhecimento profundo de n�s mesmos e da vida � necess�rio utilizar a motiva��o que nos atrai �s coisas, mas tamb�m a poss�vel motiva��o que nos afasta delas. Quem est� envolvido com algum ideal o defende a todo custo e o v� como imut�vel. Ele nunca procurar� questionar esse ideal, pois n�o proporciona tempo para isso; afinal, seria ir contra ao seu pr�prio interesse. Ele transforma sua convic��o em algo que n�o � discut�vel.

Conhecer verdadeiramente, entrar na aventura da vida, n�o � se prender simplesmente a valores, mas reconhecer que a vida humana � formada de uma grande diversidade, constru�da por indiv�duos que necessitam de valores diferentes. Este � o valor maior que podemos assumir e com ele enriquecer nossa vis�o de mundo. Diante dessa diversidade de escolhas � necess�rio a abertura para o di�logo, a toler�ncia para respeitar o diferente e, principalmente, nunca nos vermos como imut�veis, com vidas petrificadas, mas como seres em transforma��o e vidas que fluem. Uma pessoa pode assumir suas verdades sobre a vida e sentir a ilus�o prazerosa de conhecer as coisas objetivamente, mas, no final, o que ela ter� somente � sua pr�pria biografia. E � justamente essa que importa, ou seja, a vida humana que constru�mos e experimentamos.

*Jornalista colabora




publicidade
As Mais Compartilhadas no Face
(SF) © Copyright 2024 Jornal da Cidade - Todos os direitos reservados - Atendimento (14) 3104-3104 - Bauru/SP