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12/02/06 00:00 - Cultura

Apenas uma viagem, mas uma boa viagem

Padre Beto*
Ao receber a visita de uma amiga, Michelangelo, que se encontrava muito doente em uma cama, revelou seu mais sincero desejo: �Eu estou com 86 anos e espero logo terminar minha trajet�ria por esta exist�ncia!� A amiga, ent�o, com certa tristeza, perguntou ao grande artista: �Voc� j� est� cansado de viver, n�o est�?� Michelangelo com um sorriso e um brilho nos olhos respondeu: �N�o, de forma alguma! O que eu quero � continuar minha viagem e conhecer ainda mais a vida!�

Para Anselmo de Canterbury, a f� deve ser, antes de tudo, um fen�meno racional (fides quaerens intellectum). Isso n�o quer dizer que podemos conhecer a Deus atrav�s de nossa raz�o humana. Afinal, esta racionalidade � qual damos o nome de Deus � imensa e complexa demais para ser totalmente compreendida pela raz�o humana. Por�m, � imposs�vel e demasiadamente perigoso a f� alienada da raz�o e isso Anselmo deixa claro em seus escritos.

F� e raz�o devem estar em uma constante rela��o dial�tica. Se a f� � a coragem de viver e acreditar em uma vis�o c�smica e em um ser transcendente, a raz�o deve nos incomodar com questionamentos cr�ticos sobre o sentido da vida, a exist�ncia de um Deus e nosso relacionamento com Ele. Como a f�, a raz�o e a sede de conhecimento devem n�o somente ser o impulso que nos leva ao relacionamento com Deus, mas principalmente a forma de nos desenvolvermos na viv�ncia de uma religi�o. Anselmo n�o procura conhecer para acreditar, mas por acreditar ele procura conhecer.

Neste sentido, a f� significa necessidade de transcend�ncia e o conhecimento a pr�pria forma de transcender. Se n�o tivermos f�, ser� imposs�vel mergulhar no universo a ser conhecido, mas se n�o usarmos a raz�o estaremos � beira de uma pr�tica religiosa repleta de contradi��es e fundamentalismos. Este conhecer, por�m, n�o significa provar se Deus existe ou n�o. Como afirma Kierkegaard, � in�til tentarmos provar a exist�ncia de Deus, pois o ato de provar necessita que o objeto a ser provado tenha uma exist�ncia na natureza. Eu n�o provo que a pedra existe, mas que aquilo que existe � uma pedra. No tribunal n�o se prova que o ladr�o existe, mas que aquele ser humano � um ladr�o. A quest�o de conhecer a Deus n�o significa provar sua exist�ncia, mas sim ter abertura necess�ria para conhecer o que existe al�m de nossos horizontes, ter os sentidos abertos para o universo e nos aprofundar no sentido da vida.

Existem pessoas que pertencem a uma religi�o e justamente por pertencerem a ela deixam de se questionar sobre quem na verdade s�o, o que est�o fazendo nesta exist�ncia e para qual dire��o est�o caminhando. Se a religi�o n�o levar o ser humano a uma discuss�o, a uma reflex�o racional profunda sobre as quest�es essenciais da vida, ela deixa de ser religi�o e passa a ser uma cartilha da mediocridade, deixa de ser caminho de transcend�ncia e passa a ser express�o de medo e conformismo, deixa de ser amadurecimento para ser sentimentalismo barato com cantos, l�grimas e fen�menos �paranormais�.

A experi�ncia religiosa, o acreditar em Deus, deve ser, antes de qualquer coisa, uma provoca��o � raz�o humana. Aqui nasce a verdadeira religi�o. Costuma-se colocar em oposi��o religi�o e filosofia, confian�a e criticidade, f� e raz�o. Mas, na verdade, � o relacionamento entre f� e raz�o que nos faz n�o somente evoluir, mas principalmente chegar a conclus�es important�ssimas: a nossa vida � apenas uma viagem e n�s estamos somente de passagem por esta exist�ncia. Somos aventureiros neste mundo. Mas � necess�rio que esta viagem seja boa, seja uma viagem que nos d� prazer e felicidade, como tamb�m seja uma d�diva aos outros e ao universo. Depois de partirmos desta exist�ncia deixaremos este universo a outras gera��es; portanto, � importante n�o somente conserv�-lo, mas transform�-lo em um mundo melhor.

Nesta passagem por aqui, o maior valor que se deve proteger � a vida. O respeito e amor � vida e, portanto, a n�s mesmos e aos nossos semelhantes, deve estar acima de qualquer norma humana ou religiosa. Nenhum ser humano e nenhum Deus pode criar estruturas ou normas que tornem o ser humano um objeto ou um escravo. Se Deus existe e nos criou, Ele nos fez seres racionais e, portanto, deve ser seu grande desejo que possamos usar a raz�o e viver em liberdade escolhendo racionalmente nossos caminhos e nos respeitando mutuamente. Neste sentido, tenha f�, mas n�o deixe de raciocinar; acredite em Deus, mas n�o deixe de question�-lo; viva, mas d� um bom sentido a sua passagem por aqui; ame e respeite seus semelhantes, mas n�o se apegue demais a eles. Conhe�a o mundo, procure sabore�-lo, torne-o melhor com sua presen�a e fa�a uma boa viagem!

*Especial para o JC




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