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22/01/06 00:00 - Opini�o

Sal�o de barbeiros

Vou ao barbeiro como vou �s urnas. Um dever c�vico. Um ato que exige reserva e privacidade. Nada de testemunhas. Cortar cabelo, para mim, � como experimentar roupa em provador de loja. Bem a prop�sito, o Ismael, meu arquiteto capilar oficial, trabalha em sua casa, numa rua sem movimento no mesmo bairro em que eu moro, sob hora marcada. Jamais critica o prefeito ou fala mal dos vereadores. Muito menos especula sobre a vida alheia. Evang�lico disciplinado. � o profissional que me conv�m. O problema de aparar as melenas aparece quando viajo sem o cuidado de, antes, visitar o Ismael. Em cidade estranha a gente acaba entrando no primeiro barbeiro com a apar�ncia de lugar limpo. E seja o que Deus quiser...

Em recente viagem, escolhi uma barbearia em cuja porta de vidro estava escrito �personal barber�. Se a express�o inglesa cabe a professores de gin�stica, deve servir tamb�m para qualquer outro tipo de profissional � �personal manicure�, �personal shoeshine boy�, etc. Gostei de ter sido logo atendido. Nem deu tempo de folhear a �Caras�. Sentei na cadeira, dei informa��es sobre o corte desejado e escondi a cara numa revista, desta vez a Playboy, antes que o barbeiro come�asse a aporrinhar com perguntas sobre a minha identidade. Percebi que o material de leitura estava defasado em anos. A fotografia da capa era da Luisa Thom�. Reclamei e o rapaz da tesoura, prestativo, me deu outra revista. Desta vez com a Mel Lisboa. T�o amarfanhada que n�o dava para distinguir se a tatuagem era de um drag�o com a cauda enrolada no umbigo ou a cicatriz de uma lipo mal feita.

O que mais me chamou a aten��o na revista � sem nenhum desrespeito � beleza das coelhinhas - foi uma entrevista com o candidato Luiz Ign�cio Lula da Silva ao atual mandato de presidente da Rep�blica. Lula fala mal do advers�rio Jos� Serra e de FHC. Elogia Sarney. Admite que gosta de uma cachacinha. Revela a certa altura que �n�o vale � pena ganhar se n�o for para mudar a pol�tica do Malan desde o primeiro dia�. Garantiu o cumprimento de todos os compromissos do Pa�s � explicitamente o pagamento das d�vidas externas e interna � mas �primeiro vamos colocar comida na mesa do povo para depois pensar no FMI�.

No filme �Entreatos�, de Jo�o Moreira Salles que acompanha os �ltimos dias do candidato antes de virar presidente (o filme � imperd�vel mas, infelizmente, nunca foi exibido nos cinemas de Bauru e recentemente foi retirado de circula��o pelo autor) Lula vai ao seu barbeiro em S�o Bernardo do Campo acompanhado pela c�mera. Ap�s uma sess�o de navalhadas e tesouradas, sai exatamente com a mesma cara com que entrou. N�o mudou nada. Fernando, o barbeiro de Lula, antecipou para o p�blico o que seria o governo do PT. Num certo trecho do filme Lula experimenta gravatas numa loja e admite nunca ter se acostumado ao macac�o de oper�rio: �Em duas semanas de terno e gravata n�o quero saber de outra coisa. Gosto de me vestir bem.�

Desviei a revista dos olhos para me livrar da disson�ncia que o Lulinha paz e amor de ontem me causava ao confront�-lo com Lula de hoje. S� ent�o percebi que o sal�o de barbeiro � bem defronte o ponto de �nibus. Uma senhora, do outro lado do vidro me olhava com cara de nojo. Deveria haver uma lei regulamentando a quest�o. Ser surpreendido com a Mel Lisboa entre os dedos � o mesmo que ser flagrado com o z�per da cal�a aberto. Um homem de cabelos brancos com eu jamais poderia ser submetido a esse tipo de superexposi��o.

O Lula, coitado, esse j� foi pego com o fecho �clair escancarado faz tempo. Mas ele tira partido disso. Lula, na intimidade, mostra a alma comum e defeituosa de qualquer cidad�o. O povo se acostumou com suas met�foras. As elites tamb�m aprenderam a aceit�-lo do jeito que �. Prova disso � que voltou a liderar o Ibope de inten��es de voto na semana. Na hora de pagar o barbeiro, sem que eu perguntasse confessou-me ter votado no Lula em todas as oportunidades. E n�o teria d�vidas em repetir o voto. Fez ares de conformado: �J� que n�o tem tu, vai tu mesmo.�


O autor, Zarcillo Barbosa, � jornalista e colaborador do JC




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