Direto dos anos 90

Assim como era inevit�vel que Simon D. Williamson arrumasse um emprego que o mantivesse pr�ximo do sexo, das drogas, dos jogos e da farra de seus anos dourados, tamb�m era inevit�vel que n�o durasse muito no cargo. Mesmo se mostrando mais apresent�vel e mais experiente do que quando deixou sua cidade natal rumo a Londres, ele ainda era o mesmo Sick Boy que funcionava como o pr�prio RP de seu bando na p�s-adolesc�ncia. Ao lado de Mark Renton, Frank Begbie e Daniel �Spud� Murphy, ele fazia parte do pequeno grupo de junkies sem esperan�as que protagonizava �Trainspotting�, s�rie de mon�logos psic�ticos sobre o underground de Edimburgo, Esc�cia, no final dos anos 80.

O livro, lan�ado originalmente em 1993, colocou o escritor escoc�s Irvine Welsh no mapa do mundo pop, especialmente ap�s as adapta��es para o teatro e para o cinema (dirigida no Reino Unido por Danny Boyle, em 1996). Dez anos depois do golpe que parecia ter desfeito de vez aquela j� esfacelada quadrilha, o acaso re�ne os quatro novamente. E eles n�o est�o felizes com o reencontro. Apenas o t�mido e inofensivo Spud permaneceu nas ruas de sua cidade, e ainda luta para deixar o v�cio de hero�na no passado - como j� aconteceu com os outros tr�s.

Depois de anos na pris�o, o psicopata Begbie reza para encontrar o desgra�ado que lhe enviava revistas gays anonimamente quando estava na cadeia e para n�o encontrar Renton, a quem culpa por sua estada atr�s das grades. Sick Boy tem de engolir o orgulho ap�s ser demitido de mais uma casa noturna em Londres agarrando-se no pub de uma tia - para retornar � Esc�cia, que abomina. Renton � praticamente �extraditado� de volta para o Reino Unido por Sick Boy, que o encontra dono de uma boate em Amsterd� - e o �amea�a� de entrar em seu novo esquema: pornografia.

Assim come�a �Porn��, �ltimo livro lan�ado por Welsh, em 2002, que agora ganha edi��o brasileira. Depois da trai��o final de �Trainspotting�, seus protagonistas (se � que podemos cham�-los assim) voltam a habitar o mesmo ambiente, seus reencontros sendo retratados como no livro inicial - como mon�logos atordoados. Tr�s deles t�m filhos, todos est�o sempre se ajeitando no espelho, fingindo n�o aceitar a velhice que j� desponta no horizonte. Est�o mais reflexivos, mas isso n�o quer dizer que a quantidade de sexo, drogas e viol�ncia diminuiu - pelo contr�rio, isso continua colado �s suas personalidades como particularidade f�sica. Sexo casual, baseados, lugares imundos, garrafas de vinho, muito sangue, carreiras de coca�na, estupros, muita cerveja, amea�as de morte e trambiques - o ambiente underground continua o mesmo.

Mas a lenta realiza��o de que os 40 anos est�o na pr�xima esquina e um balan�o sobre a primeira metade da vida os torna menos impulsivos e sem tanta sede de vida. Este lado � compensado no personagem de Nicola Fuller-Smith, a estudante de cinema Nikki, dez anos mais nova que o grupo e, portanto, com a idade que seus pares tinham em �Trainspotting�. A ela cabe o tes�o pela vida e a lenta e deliciosa autodestrui��o do livro anterior. Manipuladora de homens e pseudo-intelectual, tem uma emp�fia sensual t�pica das meninas que se consideram no controle da situa��o, provocando combust�o com a qu�mica ao lado de Sick Boy.

Os dois - eg�latras, centrados em sexo, arrogantes - formam um casal perfeito, c�nico e mau car�ter. Mas toda barra-pesada e desilus�o � bem dilu�da no humor peculiar de Welsh, que vai da ultraviol�ncia ao sadismo de desenho animado, de pervers�es intelectuais a egotrips mirabolantes.