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20/12/01 00:00 -

Abandono que entristece

Abandono que entristece

(*) N. Serra
Como vivem os mais de cinco milhões de crianças abandonadas País afora? É o que se pergunta, pois se trata de um cenário inserido gravemente no enorme quadro de problemas sociais que pulula por aí, tendo como consequüência a crescente mendicância infantil e, o que é pior, as tragédias das violências que assaltam seus corações e vão produzindo cenas e gestos que, sem dúvida alguma, martirizam a sociedade no seu todo. Os dramas vividos por menores de todas as idades e ambos os sexos, que se vão conhecendo diariamente na maioria das cidades, são verdadeiramente pungentes, de provocarem lágrimas, sem exagero. Detenhamo-nos, aqui, em apenas um deles, para exemplo específico. Aconteceu no Maranhão, onde certo recenseador encontrou um garotinho morando em um lugar onde não poderia morar ninguém. O depoimento dado pelo menino é uma amostra, uma apenas, dentre milhares, de como “vegeta” uma carrada de outros seres como esse. Chore o leitor com o seu relato se não conseguir conter-se. Eis as suas palavras: “Passou na minha palhoça um recenseador a fim de me recensear. Mas não foi possível pois descobriu ele, meio decepcionado, que minha miserável moradia não se enquadrava em nenhum item de seu questionário, pois não é permanente e sim transitório, improvisado como o brilho do sol ou da lua o consideram. Que pena! Também não é coletivo, já que vivo só. Que espanto do recenseador quando me encontrou no meu “castelo” solitário e queria recensear-me. E olhou-me mais decepcionado ainda quando lhe disse que não tinha qualquer documento, pois nunca tive oportunidade e nem condições para tirá-los. Ao indagar-me a idade, olhou-me cabisbaixo ao lhe responder que menor abandonado não tem aniversário. Como poderia sabê-lo, então! E o homem acabou indo embora... Dias depois passou por mim outro recenseador e não me viu, pois era como muitas outras pessoas, que passam por mim e não me vêem. E as que conseguem olhar-me não me enxergam. Pareço quase invisível. Sou analfabeto e indigente e o Brasil não se incomoda com a minha cara...”

Que pensar-se e dizer-se desse comovente desabafo, coisa que os poderes públicos conhecem, elaboram códigos e leis de proteção à criança, mas deixam tudo no papel, participando pela omissão do processo que leva o menor à delinqüência e ao encontro da morte? Será que passando pelos casebres, seja nas periferias, seja nas zonas urbanas, de maneira alguma divisem ou finjam que não enxergam a criançada, não seriam os mesmos homens que das tribunas das casas legislativas cantam falsas hosanas aos instrumentos que afirmam criar para amparo aos pequeninos, órfãos ou solitários, mas que nunca são usados para sua real destinação? E deixando assim no abandono milhões de petizes e adolescentes quando conseguirá o Brasil apresentar-se ao mundo de cara limpa?

(*) O autor, N. Serra, é o Jornalista Responsável do JC e Delegado Regional da Associação Paulista de Imprensa e da Ordem dos Velhos Jornalistas do Estado.




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