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Em busca da cidade

Em busca da cidade

Padre Beto/ Especial para JC Cultura
Para os cristãos iniciou-se no domingo passado o tempo do Advento, ou seja, as quatro semanas de preparação para o Natal. A palavra Advento (latim: adventus) significa vinda, chegada. Esta vinda, porém, refere-se a duas realidades distintas: o nascimento de Jesus Cristo e o encontro definitivo com Deus no futuro. Assim, o Advento deve ser uma preparação para o (re-)nascimento de Deus em nós (Natal) e para a nossa chegada em uma dimensão superior (vida pós-morte).

Neste sentido, Advento não se constitui em um esperar passivo, mas em uma postura ativa, um verdadeiro "colocar-se a caminho".
Em determinados momentos da vida esta experiência do "estar caminhando" torna-se bem perceptível. Justamente em um destes momentos encontro-me agora. Depois de "caminhar" por nove anos pela Europa retorno, nesta semana, para Bauru. Já que o caminhar só faz sentido quando este se torna reflexão e partilha, gostaria de comentar, neste último artigo que escrevo na Alemanha, alguns aspectos de minha caminhada em solo estrangeiro.

É interessante que a primeira experiência que fazemos ao deixarmos a terra natal é um encontro profundo com ela. Se no Brasil eu era visto e conhecido como o Beto, ao chegar na Alemanha passei a ser o brasileiro. Exatamente ao tornar-me estrangeiro acabei descobrindo minha brasilidade. A maneira que nos comportamos, a língua, a cultura e até mesmo a reação diante do clima vão revelando nossa identidade nacional.
Aos poucos somos confrontados com visões erradas e primitivas sobre nossa cultura. Este menosprezo, fruto de um europocentrismo ainda existente, cria em nós a necessidade de conhecermos melhor nossa identidade. Por outro lado, ao sermos estrangeiros, ganhamos a oportunidade de estar em contato com outras culturas. Neste sentido o Continente europeu é privilegiado. Assim, podemos comparar nossa cultura com outras, (re-) descobrimos aspectos positivos e também negativos de nossa sociedade.

Ao vivermos no exterior aprendemos, também, a valorizar os relacionamentos que temos com a família e os amigos que deixamos na terra natal. Quando pais, irmãos, parentes e amigos fazem parte do cotidiano, não percebemos como eles são importantes. Porém, quando estamos distantes das pessoas que amamos, fazemos a experiência concreta de sua falta. Cada oportunidade de contato é, então, valorizada: cartas não são lidas somente uma vez, telefonemas tornam-se um verdadeiro prazer. Além disso, quando vivemos longe de casa começamos a pensar mais seriamente sobre a possibilidade da morte, a possibilidade de "não nos vermos mais".

A palavras de Shakespeare transformam-se, então, em regra obrigatória: "Depois de algum tempo você (...) descobre que as pessoas com as quais você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pois pode ser a última vez que vamos vê-las". Ao mesmo tempo em que aprofundamos o relacionamento com as pessoas que amamos, redefinimos também nosso conceito de amizade.

O encontro com pessoas de outras culturas ensina-nos a não somente valorizar o amigo, mas também a diferenciar amizade de relacionamentos superficiais. Outro aspecto para mim significativo foi perceber como os europeus mantêm
vivas suas tradições. Um europeu é alguém que caminha de costas para frente, ou seja, alguém que caminha para o futuro sem perder de vista sua história.

As tradições são mantidas e o passado não é tão facilmente esquecido, como acontece no Brasil. Por outro lado, a tradição tornou-se para os europeus um peso e um obstáculo para mudanças. Os europeus, em especial os alemães, precisam sempre de muito tempo para que algo novo seja integrado à vida social. O medo de perder a identidade e o comodismo ao manter as tradições para não necessitar ser criativo fazem com que as sociedades européias permaneçam mais estáticas.

Ao mesmo tempo em que redescobrimos nossa identidade nacional ao viver no exterior, aprendemos também a relativazá-la. Com o tempo, tornamo-nos o que Kant denomina de "Weltbuerger", ou seja, cidadão do mundo. Nós aprendemos a adaptar-nos em qualquer realidade e compreendemos que sofrimentos, alegrias, frustrações e esperanças fazem parte de todo cosmos humano seja ele em Munique, Bauru ou Tóquio.

Em outras palavras, pessoas são pessoas independentemente de sua nacionalidade, raça ou cultura. Com a experiência de deixar a terra natal aprendemos que, neste mundo, todos somos estrangeiros. Todos os seres humanos estão por aqui apenas de passagem. Nesta, lar não é sinônimo de território, mas define-se como o "lugar" onde nos sentimos bem. Voltando para Bauru permaneço na mesma situação de caminheiro. Bauru será com certeza uma estação provisória, onde espero sentir-me em casa, como aconteceu na Alemanha. "Por que não temos aqui cidade permanente, mas vamos em busca da futura." (Hb. 13,14). Fale comigo através do e-mail: [email protected]





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