A queda de Cabul e das principais províncias do Norte do Afeganistão - do mesmo modo que a iminente queda de Kandahar, núcleo original do Taleban - faz antever, com bastante probabilidade, o final do regime dos “estudantes” e de sua mão-de-ferro sobre o Afeganistão. Resta uma pergunta: e agora? A Aliança do Norte ameaça desagregar-se. A hipótese de um governo de unidade nacional sob proteção das Nações Unidas demora a ser concretizado. O rei anterior, Zahir Shah, não parece capaz de atrair um mínimo de entusiasmo entre seus súditos para poder desempenhar um papel politicamente útil. Além disso, o caos se estende entre os guerrilheiros locais, armados por norte-americanos e ingleses, com sede de vingança e ébrios de um poder reconquistado, sem vontade alguma de respeitar a forma que o novo Estado adotar, especialmente se forjada pelos ocidentais na Secretaria de Estado, em Washington, ou nos corredores da ONU. Oxalá não ocorra com a Aliança do Norte o que aconteceu com os talibãs: também foram apoiados pelos norte-americanos para combater os soviéticos e logo se viu no que se transformaram. A destruição do Estado Taleban não significa o fim da guerra contra o terrorismo, como Bush se apressou em manifestar.
Ian Lesser, reconhecido pesquisador da Rand Corporation, disse, em seu livro publicado pouco antes de 11 de setembro - “Contra-Atacar o Novo Terrorismo” -, que este “novo terrorismo” se caracteriza, em essência, “por ser internacional, terrivelmente destrutivo em suas conseqüências, em especial no que se refere a vítimas fatais e, sem que precise apresentar reivindicações específicas (para ele basta estar “contra o império”), organizar-se em forma de rede”. Não tem nada a ver com o terrorismo que conhecemos na Europa ou em outras partes do mundo nas últimas décadas do século XX. Segundo Lesser, não se pode vencer este terrorismo mas apenas contra-atacá-lo...
Em um contexto internacional tão incerto, o fortalecimento do papel da ONU constitui-se num sinal positivo. No entanto, agora, é necessário concretizá-lo. Como? Com a afirmação dos valores da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a intensificação da ajuda humanitária, tornando-a efetiva. Alimentando uma cultura de paz e diálogo, não de desconfiança e conflito. São os valores que fundamentam o que Leopold Sedar Senghor chamava “uma civilização do universal”, que não é do Ocidente nem do Oriente, do Norte nem do Sul, que é unicamente uma civilização dos seres humanos, todos iguais e com idêntica condição humana, neste nosso atormentado e inseguro planeta Terra!
(*) O autor, Mario Soares, foi presidente de Portugal entre 1986-1996.
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