A política do arrocho fiscal, praticada exclusivamente em cima do setor produtivo e dos assalariados em geral, combinada com os juros escorchantes, e a conseqüente escassez de financiamento de médio e longo prazos, agravada com a adoção do racionamento de energia, em meados do ano, voltou a criar, na economia brasileira, um cima de fim de feira, com a venda para empresas estrangeiras e transnacionais de muitas de nossas companhias a preço de banana.
E, aqui, não vai nenhum nacionalismo barato. Vendas e fusões empresariais são operações rotineiras no dia-a-dia de quaisquer economias, sejam elas de países avançados, emergentes ou subdesenvolvidos. O que me preocupa, contudo, são: a desnacionalização desnecessária e predatória de nosso parque industrial, incentivada pela política econômica equivocada do governo; e o desestímulo que isso poderá acarretar, em futuro próximo, à nossa capacidade e vocação de empreendedor.
O Brasil, como todos sabemos, apesar dos incontáveis equívocos e distorções, acumulados ao longo dos últimos 50 anos - é preciso lembrar também, a bem da verdade, os acertos durante esse mesmo período - é um dos poucos casos registrados no mundo de industrialização mais do que tardia e muito bem sucedida. E isso nos leva a afirmar, sem medo de errar, que, dentre outras, o Brasil tem indiscutíveis vocação e talento industriais.
Obviamente, tudo isso não aconteceu de uma hora para outra, de repente. Foi conseqüência da conjugação de vários fatores favoráveis ao longo do século 20: duas guerras mundiais, crescimento do mercado interno e da urbanização, criação de infra-estrutura, financiada em boa parte pelos lucros com a exportação do café; e existência simultânea de mão-de-obra preparada e de capacidade empreendedora, ambas representadas emblematicamente pelos imigrantes italianos, dentre outros.
Tudo isso está sendo colocado em risco pela cultura patrimonialista, exatora e centralizadora do Estado e da tecnocracia brasileiros, uma herança perturbadoramente incômoda e cujos efeitos em nosso dia-a-dia pouco têm sido avaliados por sociólogos, filósofos e antropólogos. Trata-se da permanência da herança do marquês de Pombal, representante do despotismo esclarecido em Portugal e, por extensão, no Brasil.
A questão que se coloca hoje é a seguinte: até quando nosso setor produtivo terá capacidade para agüentar a fúria arrecadatória do Fisco brasileiro? Levamos cem anos para criar uma cultura empresarial genuinamente brasileira e tal patrimônio poderá ser perdido em alguns anos mais de políticas - como a atual - equivocadas.
Talvez sem se dar conta, o governo brasileiro esteja fazendo exatamente o contrário do que a Rússia, pós-socialismo. Enquanto lá se investe tudo na criação de uma cultura empresarial, morta ainda no nascedouro pela Revolução Bolchevique, de 1917, aqui, ela é, desnecessária e perigosamente, exposta a uma competição predatória e desigual.
Para terminar, nada melhor do que alguns números: desde o Plano Real, anunciado em julho de 1994, nada menos do que 1.260 empresas brasileiras foram vendidas a preço de banana para companhias estrangeiras e transnacionais!
Outro dado assustador: a carga tributária que onera o universo das empresas brasileiras já está entre as maiores do mundo. O imposto pago sobre o valor agregado da produção, que é bancado, em última instância, pelo consumidor, é de 29,80% (somando-se IPI e ICMS), o mais elevado do mundo. Por sua vez, o imposto sobre a renda, de 34% supera a taxa média mundial e a do Japão, Alemanha e Inglaterra.
Desse jeito, onde é que vamos parar? Nunca é demais lembrar que, em troca de tal nível de taxação, o cidadão brasileiro recebe serviços públicos de péssima qualidade. Já está mais do que na hora de o governo, em todos os seus níveis, dar-se conta de tamanha sandice tributária. Antes que seja tarde demais.
(*) Miguel Ignatios é presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e do Instituto ADVB de Responsabilidade Social (IRES). E-mail: presidê[email protected]