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Mindlin pede mais bibliotecas no País

Mindlin pede mais bibliotecas no País

Fabiano Alcântara
Bibliófilo, que abriu o “Salão de Idéias” com leitura de poesia brasileira, defende a literatura como prazer e não obrigação

Aos 87 anos, José Mindlin experimenta popularidade de pop star ao circular no meio literário. Ontem, na abertura da Feira do Livro de Bauru não foi diferente.

Maior bibliófilo do Brasil, a quantidade de títulos que Mindlin tem em casa se equipara à oferta de todos os estandes da feira – 30 mil. Apesar disso, ele diz que nunca se preocupou em ser o maior colecionador do País. Foi um trabalho de formiguinha, de “garimpagem”, como ele diz, iniciado aos 13 anos, que resultou na formidável coleção.

Dois deliciosos paradoxos cercaram a escolha de Mindlin para abrir o “Salão de Idéias” – espaço dedicado para bate-papos com personalidades. O primeiro: um octogenário recebe todos os holofotes, quando o principal foco da feira são as crianças.

O outro: Mindlin fez leitura de poesia brasileira, o gênero mais maltratado pelo mercado literário. Leia a seguir, a entrevista do simpático Quixote dos livros. Não o único, mas um dos mais notórios e apaixonados.

Muito lúcido e coerente, o que só pode ter sido obra dos milhares de livros lidos, na entrevista exclusiva ao JC ele cobrou mais bibliotecas no País, o que seria uma forma de dar acesso para quem não tem como comprar livros.

Jornal da Cidade - O senhor tem 74 anos de “garimpagem” de livros. Como o senhor avalia o interesse dos brasileiros pela literatura hoje?
José Mindlin –
Antigamente, as pessoas tinham mais tempo. Liam muito. Havia também o hábito nas fazendas, no Interior especialmente, de leitura em voz alta para uma roda de pessoas, isso é uma coisa que deveria ser recomeçada. Porque a leitura em voz alta dá uma vida especial ao texto. Estimula o interesse. A pessoa ou aprende a ler, ou, se já lê, vai tratar de ler sozinha também. Enfim, é uma forma de estimular a leitura.

JC – Por que o senhor escolheu a leitura de poesia brasileira para abrir o “Salão de Idéias” desta feira?
Mindlin –
Porque eu acho que muita gente que não imaginava que fosse tão bonito. Com isso, as pessoas vão se interessar. E vão ver que a leitura tem que ser uma fonte de prazer, não pode ser uma obrigação.

JC – Mas também é uma maneira de ampliar o volume do cérebro...
Mindlin –
É claro, sem dúvida. Enriquece a vida. Proporciona outra visão do mundo.

JC – Como o senhor poderia definir a sua relação com os livros hoje?
Mindlin –
Bom. Eu estou sempre com um livro na mão. Minha leitura é soma de pequenos períodos. Eu leio no carro e quando eu saio do carro eu levo o livro comigo, porque se roubar o carro não interrompe a leitura.

JC – Que livro o senhor está lendo atualmente?
Mindlin –
Eu estou lendo um livro de uma moça do Rio, Helena Bomini sobre Darcy Ribeiro, “O Sociólogo Indisciplinado”, que é um livro muito interessante.

JC - Voltando na questão da poesia, ela não é um gênero um pouco estigmatizado pelo mercado de livro?
Mindlin –
Eu acho que não. A produção de poesia é muito grande.

JC – Mas muitos poetas reclamam que têm dificuldade de lançar seus trabalhos.
Mindlin –
É porque é um gênero mais escrito do que lido. Mas, a poesia boa acaba sendo lida. O (Carlos) Drummond (de Andrade), meu Deus, viveu à custa disso. Primeiro que a poesia tem que ser boa. E tem que ser ajudada a ser conhecida. Precisa haver um marketing, a pessoa precisa conhecer a imprensa, críticos literários. Precisa fazer propaganda. Aí os editores vão se interessar. Uma forma é a pessoa conseguir, às vezes, um patrocínio, alguém que pague a editora para fazer. Mas isso é uma questão de paciência, autoria não tem receita.

JC – Eu gostaria que o senhor comentasse a experiência de ter produzido um livro junto com 16 crianças?
Mindlin –
Foi uma coisa interessantíssima. Eu acho que estas crianças, que queriam ver a biblioteca e vendo tanto livro disseram que iam fazer esse livro (“José Conta Suas Histórias”). Reproduziram parte das histórias que eu tinha contado, inventaram outras coisas, cada uma fez ou um texto ou um desenho. Foi uma coisa emocionante. Eu tenho certeza que essas crianças vão gostar de livro a vida inteira. O grande trabalho tem que ser feito na infância, mas como fonte de prazer, não como obrigação.

JC – Que tipo de benefício esta feira pode trazer para Bauru?
Mindlin –
Ela insere Bauru no circuito das editoras, dos livros. Vai dar acesso aos leitores de Bauru a encontrar livros com mais facilidade. Eu acho que é um reconhecimento do valor de Bauru como uma coletividade que tem muita gente pensante e que se interessa. E que às vezes tem dificuldade de ter acesso ao livro. Eu acho que nós temos que fazer um esforço para aumentar o número de livrarias e de bibliotecas. As livrarias são muito importantes para quem pode comprar o livro. Agora, quem não pode pagar, deve ter acesso ao livro em bibliotecas. Toda cidadezinha dos Estados Unidos tem uma boa biblioteca pública. Nós devemos fazer este esforço para termos também.




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