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07/10/01 00:00 -

Sobre mundos: Pluralismo sim, indiferença não

Sobre mundos: Pluralismo sim, indiferença não

Padre Beto
(*) Especial para o JC Cultura

Eu estava com alguns amigos da universidade em uma choperia de Munique e foi talvez a boa cerveja alemã que nos ajudou a perceber o óbvio e alegrar-nos com o grande presente que é a vida. Ao olharmos para a nossa mesa constatamos como o mundo moderno tornou-se realmente globalizado e pluralista.

Mais heterogêneo não poderia ser o nosso grupo: um sírio pertencente à igreja ortodoxa, um hindu, um alemão evangélico e um católico padre brasileiro. Esta diversidade entre todos nós sentados em uma mesma mesa foi motivo de muito riso, piada e descontração. Clement, o nosso amigo hindu, lembrou-se então de uma história que fazia parte dos escritos de sua religião: certa vez, o Senhor, único ser existente no universo, sentiu-se extremamente solitário. Além Dele não havia nada mais em todo o cosmos. Ao olhar ao seu redor, o Senhor não via mais ninguém além de si próprio.

Ao constatar que este estado homogêneo o fazia infeliz, o Senhor do universo resolveu iniciar uma brincadeira. De si próprio deixou que surgisse uma enorme diversidade de formas de vida: deixou surgir aqueles que tinham duas pernas, aqueles que tinham quatro e os que não as possuíam. Depois, começou o Senhor do universo a brincar com eles. A brincadeira escolhida por Ele foi a de “esconde-esconde”, o que, na verdade, não é outra coisa do que a própria vida. A partir daquele momento todos os seres vivos começaram a brincar de esconder-se com o Senhor do universo. Até hoje a brincadeira continua. Todos procuram-no por diversos caminhos e Ele possui vários esconderijos e deixa ser encontrado nas mais diferentes formas.

A sociedade tornou-se um cosmos caracterizado pela diversidade de formas e elementos, de culturas e línguas, de mentalidades e visões de mundo. Já não vivemos mais no tempo do monopólio religioso, do conflito entre somente duas ideologias políticas e as fronteiras geográficas tornam-se cada vez mais relativas. Este mundo diversificado constitui-se não somente em um aglomerado de diferentes grupos que possuem interesses próprios, mas principalmente em um espaço de encontro entre convicções opostas que precisam manter-se em uma constante concorrência. Nesta não é mais possível chegar ao estágio final à procura da verdade. Uma resposta clara para o bem estar da vida humana tornou-se impossível. O que possuímos são opções de vida diante das quais devemos fazer a nossa escolha. Sem dúvida alguma, ao lado desta realidade pluralista existe o anseio pela unidade, pela busca de uma conciliação entre os diversos grupos e visões de mundo. Porém, a certeza na possibilidade de integração de tamanha sociabilidade pluralista deve basear-se em dois pilares da moral: compromisso e tolerância. Para não perdermo-nos no vazio é necessário termos compromisso com a nossas convicções e estilos de vida. Compromisso não significa aqui inflexibilidade, mas sim clareza de idéias. É necessário que eu saia da superficialidade e procure entender com profundidade minha religião, minha posição política, minha postura como ser humano diante da vida. Este compromisso reflete a responsabilidade que temos de melhorar a vida em sociedade.

Mas, se além do compromisso, a tolerância não é parte integrante do etos social enriquecendo a busca da verdade entre as religiões, os grupos políticos e ideológicos, a sociedade pluralista acaba reduzindo-se a uma aporia.

Tolerância significa o livre reconhecimento do outro e de sua forma diferente de ser e pensar. Ela não deve ser confundida com indiferença ou nivelamento social.

Quem é tolerante não iguala-se simplesmente aos outros, mas permite que as contradições possam existir. Tolerância não significa a proclamação de um “laisser-faire” ou “laisser-aller”. O relativismo não cultiva a tolerância, mas sim a faz desnecessária. Sua função não é ser um narcótico social instituindo o ecumenismo da indiferença e da superficialidade.

Na maioria das vezes, o abrandar os conflitos ou o evitar as discussões é o primeiro passo para a intolerância. Sem querer maquiar as diferenças, a tolerância deve ser, na verdade, uma ponte que une “as pessoas”. Através dela reconhecemos o outro ser humano como pessoa, ou seja, como um ser autônomo e racional. Para Max Scheler, tolerância exige, em primeiro lugar, fidelidade à nossa moral e, em segundo lugar, o amor e o interesse pelo outro que nega tudo aquilo que acreditamos: nossa fé, nossa visão de mundo, nossa mais profunda confiança e esperança.

Assim, a tolerância não é sinônimo de aceitação desinteressada dos contrários e muito menos sinaliza o fim da discussão e do conflito. Viver em uma sociedade pluralista não significa acostumar-se com uma “pax romana”, mas sim enfrentar o desafio da convivência conflitiva entre os contrários. Portanto, engajamento missionário, argumentação de ataque, busca de defender suas convicções e formação política não constituem uma contradição em relação à unidade e tolerância. Pois, “quando todos pensam o mesmo, ninguém está pensando” (Walter Lippmann).

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