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16/08/01 00:00 -

EM DEFESA DO STATUS QUO

EM DEFESA DO STATUS QUO

João Zaneta Neto
Baseando-me nos termos e na veracidade da matéria publicada neste Jornal da Cidade (10/8/01, pág. 5), considero, como cidadão bauruense e pagador regular dos meus impostos, a decisão e as considerações do juiz João Thomaz Diaz Parra uma absurda defesa do status quo, reveladora do que, no espírito e na prática quotidiana do Poder Judiciário, atenta contra os princípios da igualdade democrática de direitos. Aqui, obviamente, do direito de ser processado como qualquer outro cidadão por fortíssimas suspeitas de improbidade. Os suspeitos são os 37 médicos do Instituto Lauro de Souza Lima, acusados de não respeitarem a jornada de trabalho à qual estão obrigados como servidores públicos, fato do qual decorreria enriquecimento ilícito.

Por exercerem a profissão da medicina, o juiz considera serem estes senhores servidores públicos de categoria diferenciada, à qual não caberia o controle rígido dos serviços efetivamente prestados à comunidade que, em última análise, justifica e legitima seus vencimentos. Supõe, para tal consideração e para o indeferimento da petição inicial “sem julgamento de mérito”, serem a “abnegação”, o “desprendimento” e a “dedicação” aos enfermos agonizantes da comunidade formalmente inerentes à própria corporação dos médicos. Segundo este raciocínio, todo médico (ao menos os do instituto) exerceria sua profissão motivado pelo amor à humanidade e à justiça da causa da saúde pública, o que tornaria a submissão de qualquer representante desta casta superior de cidadãos aos trâmites legais uma ingratidão da sociedade contra seus heróis e defensores.

Não sou bacharel de Direito, desconheço as técnicas da nossa legislação, mas se as manifestações do Juiz Parra não constituírem um efetivo julgamento de mérito, o qual ele afirma não realizar, eu não entendo de modo algum o que este conceito significa na Língua Portuguesa. O demérito (ingratidão) da petição é estabelecido, bem como o mérito (a dedicação, etc.) dos acusados é reconhecido. Além da flagrante distinção de classes e da suposta defesa da desconsideração dos estatutos do servidor público, indicadas pela atitude do magistrado, é digna de nota a afirmação de que a denúncia genérica de 37 pessoas tornaria inviável a tramitação de um processo (sobretudo por, supostamente, não garantir o direito de defesa), enquanto a “impetração” (o termo talvez seja inadequado) de 37 ações distintas, atravancando a burocracia do Ministério Público e da Magistratura, foi considerada adequada. Como foi dito acima, desconheço as minúcias do métier, mas esta afirmação dá margem a considerar que, por exemplo, a formação de uma quadrilha estaria burocraticamente acima das possibilidades de punição por parte de nosso sistema legal (casos para ilustrar esta situação no Brasil contemporâneo é o que não faltam), ou ainda que as condenações de grandes quadrilhas, que já aconteceram ou estão em vias de acontecer, carecem de legitimidade ou atentam contra os direitos do cidadão e, assim, contra o espírito da justiça.

Por fim, cabe salientar que minhas afirmações nesta carta aberta são feitas a partir do ponto de vista do cidadão comum, interessado na observância do princípio democrático da igualdade por parte do Poder Público, e do ponto de vista do filósofo político, mais interessado ainda em acompanhar a cultura que permeia a gestão do bem público no Brasil e a diferenciação sociológica de classes quando se trata do estabelecimento de direitos e deveres do cidadão. (João Zaneta Neto RG. 23.983.157-3)




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