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05/08/01 00:00 -

O começo do fim do mundo...

O começo do fim do mundo...

David Cintra
E o Brasil? Como o punk chegou e se desenvolveu em terras tropicalientes? Como quase tudo o que acontecia nos anos 70, os brasileiros tiveram contato com o punk com um certo atraso e muita distorção por parte da mídia, que apresentava o punk rock como uma “nova moda” e confundia alhos com bugalhos, tanto que até hoje tem gente que pensa que o Blondie da gostosíssima Debbie Harry era uma banda punk. Até mesmo The Cars, Cheap Trick e Dire Straits foram confundidos com punks. Sem contar os Legiões Urbanas, Paralamas, Ira! e outros.

Enquanto imprensa e gravadoras faziam questão de ignorar o que acontecia na Europa e nos EUA, nos bairros periféricos da Capital paulista alguns jovens fizeram exatamente o contrário. Na zona norte da capital, começaram a surgir turmas (ou gangs) que usavam jaquetas de couro, cabelos curtos e arrepiados e se reuniam para ouvir aquele “novo som”, apesar da dificuldade e dos altos preços dos discos importados naquela época. Na verdade, os primeiros punks brasileiros eram roqueiros que, antes mesmo da explosão inglesa, já ouviam um som mais pesado e a identificação com o punk rock foi imediata. Os primeiros salões (como eram chamados os locais onde rolava um som na época) foram a Gruta (em Santana) e o Construção (na Vila Mazzei), ainda em 1978.

Não demorou muito e logo surgiriam as primeiras bandas nacionais. O Restos de Nada provavelmente foi a pioneira. A banda, originária da Vila Carolina (zona norte de SP) foi o embrião dos Condutores de Cadáver, que mais tarde sofreram uma reformulação e se tornaram Os Inocentes (ainda em atividade e uma das mais importantes bandas do rock brasileiro). É desta turma ainda que saiu o Hino Mortal, banda pioneira do ABC Paulista, formada por Índio (ex-vocalista do Condutores) e Desequilíbrio, a primeira banda punk do Brasil a possuir uma mulher em sua formação. Em 1987, o Restos de Nada se reagrupou apenas para registrar em vinil o som da banda. Condutores de Cadáver, Hino Mortal e Desequilíbrio não possuem registro fonográfico, apenas algumas fitas caseiras da época.

Outra banda pioneira foi o Cólera, formado no Capão Redondo, bairro barra pesada da zona sul. Desde o início a banda tinha uma preocupação maior com o teor político das letras. Nos anos 80, o Cólera lançou três LPs (Cólera, Pela paz em todo mundo e Verde) e depois de uma pausa (o vocalista teria formada uma banda cover do The Cult!) ainda está em atividade. Também está entre os pioneiros do punk brasileiro o AI-5, outra banda sem registro fonográfico, mas que chegou a lançar uma fita demo em 1979.

Estas primeiras bandas raramente tocavam ao vivo, não só pela falta de espaço como de equipamento. As poucas apresentações eram feitas com a mesma aparelhagem que ensaiavam, mas como os locais que se apresentavam eram geralmente minúsculos havia uma certa compensação.

Já no final de 1979 e início de 1980, surgiu um um marco para o crescimento do punk no Brasil: a Punk Rock Discos, uma pequena loja que vendia e trocava discos novos e usados. A loja, situada nas Grandes Galerias, um centro comercial que dá passagem do Largo do Paissandu para a rua 24 de Maio, no centro de São Paulo, foi o berço de muitas bandas e passaria a ser o local mais freqüentado pelos punks paulistanos.O fundador da Punk Rock Discos, de nome Fábio financiou o primeiro disco punk nacional, uma coletânea chamada Grito Suburbano. A princípio o disco teria quatro bandas: Olho Seco, Inocentes, Cólera e Anarcoólatras, porém, esta última ficou de fora, porque as primeiras gravações não ficaram boas e a banda ficou sem baterista para realizar um segundo take. Toscamente gravado em oito canais, o disco contém quatro faixas de cada banda e pelo menos quatro clássicos - Pânico em SP e Garotos do Subúrbio, dos Inocentes; Eu não sei, do Olho Seco e Subúrbio Geral, do Cólera.

A partir do Grito Suburbano o punk brasileiro começou a crescer incontrolavelmente. Para o lançamento do disco, Fábio promoveu um festival com a participação de cinco bandas - as três do disco e mais Anarcoólatras e Fogo Cruzado, realizado no Teatro Luso-Brasileiro, no bairro do Bom Retiro. Foi o primeiro grande show punk no Brasil. E a polícia apareceu e acabou com a festa. Fato que se tornaria comum em quase todos os eventos que envolvessem bandas punks.

Mas o ponto culminante para a popularização do punk em São Paulo foi o festival “O Começo do Fim do Mundo”, realizado no Sesc-Fábrica, na Vila Pompéia, já em 1982. Organizado pelo dramaturgo Antonio Bivar, o evento reuniu 20 bandas e foi registrado em vinil. Ali também a polícia apareceu e acabou com a festa.

Outro “produto” que ajudou bastante o desenvolvimento do Punk Rock, tanto na Inglaterra e nos EUA como no Brasil foram os fanzines. Confeccionados manualmente, eram o único canal de comunicação autêntico entre os punks, já que o pouco que a a grande imprensa falava sobre o assunto geralmente era bastante distorcido. Na Inglaterra fez história o Sniffin’Glue, que circulou de 76 a 78 e vendia milhares de cópias. Em São Paulo, o pioneiro foi o Factor Zero (1979/80), que teve apenas quatro edições, mas fez bastante sucesso entre os adeptos do então nascente punk brasileiro. Outro fanzine nacional bastante lido nos primeiros anos foi o SP Punk.

Enfim, o verão inglês de 1976, um quarto de século depois, ainda provoca polêmicas e há muito mais por trás dasqueles acontecimentos que um simles artigo de jornal poderia expor. No entanto, uma coisa é certa, o rock’n’roll nunca mais foi o mesmo e eu ousaria dizer até que o mundo mudou. Afinal de contas, além de “desglamourizar” o rock os punks conseguiram algo que ninguém poderia imaginar, talvez nem eles próprios: o feio tornou-se algo aceitável e até desejável após o levante de 76/77. Este sim um aspecto a ser mais estudado...

O melhor do punk rock

Bandas pré-punk (até 1975) - The Stooges, MC5, Velvet Underground e New York Dolls.

Explosão de 1976-77 - Ramones, Sex Pistols, The Clash, Damned, Stiff Little Fingers, The Saints, Buzzcocks, The Lurkers, X-Ray Spex, Chelsea, Menace, Eater, Slaughter & The Dogs, The Rezzillos

78-79 - The Members, The Ruts, Sham 69, Cockney Rejects, Dead Kennedys, Germs, U.K. Subs.

Hardcore - Discharge, Exploited, Vice Squad, GBH, Minor Threat, Circle Jerks, Black Flag

Brasil - Restos de Nada, Inocentes, Cólera, Olho Seco, Ratos de Porão, Fogo Cruzado, Psykoze




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