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17/06/01 00:00 -

A força revolucionária da comunhão

A força revolucionária da comunhão

Padre Beto
Em diversos países anglo-saxões, como Inglaterra, Alemanha ou Holanda encontramos uma tradição que, para nós do mundo latino, aparenta ser, no mínimo, estranha. Ao falecer uma pessoa, nenhum velório é preparado.

O corpo permanece por alguns dias em uma sala fechada no cemitério e pode ser visitado pela família. O enterro é marcado praticamente para uma semana depois do falecimento, dando tempo suficiente para que todos os familiares, os amigos e os conhecidos sejam avisados e possam comparecer ao “último adeus”. As cerimonias do enterro são iniciadas na capela do cemitério com uma celebração religiosa, uma missa ou um culto evangélico. Logo após o enterro, a família enlutada convida todos os presentes para um almoço.

Todos que estiveram presentes no cemitério dando o último adeus à pessoa que partiu, encontram-se então em um restaurante e almoçam juntos. Desta forma, a família não volta para casa sozinha, mas permanece por algumas horas com os amigos. A atmosfera não é mais dominada pela tristeza, mas sim pela amizade. Com este almoço é ritualizado não mais a morte, mas sim a vida. Esta refeição com os amigos nos faz compreender que a vida continua, e que este é o desejo de quem partiu e uma necessidade para quem fica. Esta refeição simboliza também a comunhão existente entre os amigos que permanecem juntos nos momentos felizes e tristes de nossa caminhada.

Normalmente, os inimigos não sentam-se à mesa para uma refeição. O ato de alimentar-se é uma das atividades mais básicas para a nossa existência, portanto o momento da refeição é algo sagrado. Talvez seja por essa razão que ela seja desde os primórdios da vida humana, um dos símbolos mais fortes de comunhão.

Não é por acaso que, nos Evangelhos, o Cristo aparece muitas vezes reunido à mesa para a refeição com amigos, com os marginalizados de sua sociedade ou até mesmo com pessoas consideradas pecadoras. Se lermos os Evangelhos com atenção, notaremos que o Cristo está muito mais presente em ceias e jantares do que no próprio templo. Não é também coincidência que o Sacramento mais profundo que encontramos nas religiões cristas, a Eucaristia, tenha sido instituído à mesa, em uma ceia. Este Sacramento realiza-se através do alimentar-se através de uma refeição que fazemos em conjunto e nunca sozinhos. Este “comer do mesmo pão” expressa a “Comunhão” entre Deus e o ser humano e a realidade de comunidade (comum-unidade) dos seres humanos entre si. A palavra comunhão vem do grego “coinonía” e significa a participação profunda em uma realidade. À medida que participamos de algo estamos vivendo uma situação de comunhão.

Nesta expressão encontramos a palavra “comum”. Assim, começamos a viver em comunhão à medida que conscientizamo-nos do “comum” existente entre nós: natureza, situação ou fé. Estou em comunhão com outras pessoas quando participo de seus momentos, de seus sentimentos ou compreendo que possuímos a mesma natureza.

A Comunhão, porém, não pode ser confundida com amor ou simpatia. Estar em comunhão com o outro não depende de nossos sentimentos, mas da disponibilidade de valorizar o que temos em comum. Ela nasce da compreensão de sermos parte integrante de um todo. Mas, se comunhão não é sinônimo de amor, ela oferece uma base favorável para o nascimento deste. É na descoberta da qualidade ou do estado em comum que podem desenvolver-se os diversos sentimentos de amor e solidariedade. A comunhão também não pode ser confundida com uniformidade.

Viver em comunhão com outras pessoas não significa anulação pessoal e renúncia das particularidades, pois ela é também a soma na diversidade. Assim, cada ser humano permanece como indivíduo, contribuindo com sua maneira particular de ser para o desenvolvimento do outro. Por fim, comunhão não significa tornar-se acrítico. Nela o ser humano pode discutir sobre todos os temas possíveis, expressar suas idéias com liberdade e fazer críticas ao outro sem medo de romper com a unidade. Estar em comunhão é viver um encontro com sua própria natureza humana, compreendendo que todos possuem o mesmo direito de errar. “Quem insiste em julgar os outros, sempre tem alguma coisa a esconder” (Renato Russo). A comunhão pode ser vivida em todas as dimensões da vida: na família, na escola, no bairro, no trabalho, na igreja e principalmente na sociedade. O critério fundamental para ela é a possibilidade de ser sujeito ativo no grupo que pertenço sentindo-me responsável por ele. Submissão, dominação ou exploração são verdadeiras antíteses da comunhão. Neste sentido, comunhão é uma força política capaz de transformar toda realidade marcada pela injustiça. Como diz um provérbio chinês: “Diga-me, esquecerei. Mostre-me, talvez lembrarei. Faça-me participar e compreenderei.”

Fale comigo através do e-mail: [email protected]

Padre Beto/Especial para o JC Cultura




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