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O destino dos museus

O destino dos museus

(*) M.N.S. e S.S.
Encerrada a III Semana dos Museus, que aconteceu no Centro Cultural “Carlos Fernandes de Paiva”, em Bauru, fica a pergunta: O museu é palco para o túnel do tempo? Artifício bastante usado em exposições de caráter retrospectivo, a viagem pelo tempo, na tentativa de afunilar percursos históricos, acaba diminuindo a infinitude de atalhos existentes pelo caminho.

O museu guarda objetos tridimensionais, de forma que se possa passear em torno da História. Originados da atividade ou da própria natureza humana, objetos dos mais variados tipos são colecionados em função de seu conteúdo ou de sua função.

Repositório de informações até então indisponíveis, o museu é muito mais que sua própria metodologia de trabalho pode demonstrar.

Talvez seja o tipo de opção organizativa dos seus objetos que induza uma leitura cronológica, fazendo das visitas ao museu também uma mera “passagem pelo tempo”.

É certo que em países do hemisfério norte a noção de museu tenha migrado para o campo do entretenimento, mercadológico e muitas vezes, marqueteiro. Contudo, a complexidade da vida - material e espiritual - não é representada apenas por meros registros, mas pelos significados que circundam o período histórico que lhes deu origem. Assim é que a partir de um objeto, documento, fotografia, livro, pintura e outras formas de expressão da criatividade humana, é possível reconstruir todo o contexto e entender sua dinâmica social.

O resgate do passado, no entanto, não é o mais importante enfoque viabilizado pelos museus, afinal, quais sentidos teria que não fossem resultantes de contextualizações presentes? Contextualizar significa assumir responsabilidades diante do presente e futuro: esse é o principal papel da ciência histórica, tendo no museu o seu principal aliado.

Afinal, nada mais apropriado que ver e então despertar para a realidade, agora reconfigurada pela concretude de coisas que quase se podem tocar, não fosse o cuidado que elas requerem.

Convém lembrar que há três tipos de entidades que também se incumbem das tarefas tradicionalmente delegadas aos museus, ou seja, a preservação, organização e disponibilização ao público de determinado patrimônio cultural e científico, que são os Arquivos, Bibliotecas, e Centros de Documentação ou de Memória.

Não é pequena a responsabilidade dos museus. Até que a sociedade possa visitar um, muitos passos no processo de recuperação da informação que chega ao museu foram dados. Há cuidados que vão desde a montagem do objeto, climatização, iluminação, até a comunicação visual, catalogação e segurança. Para tudo isso são necessários profissionais especializados, os museólogos, profissão regulamentada por lei desde 1984, que possui apenas três faculdades no Brasil.

Essa escassez de formação, porém, tem contribuído para a interação entre os profissionais de História, ou seja, professores e pesquisadores, com museólogos. Há uma tendência de reversão do papel tradicional destes profissionais apenas junto ao magistério e a pesquisa acadêmica.

Não é mais compatível com a era da informação que historiadores fiquem encapsulados em seus gabinetes a observar os registros do passado como fetiches intocáveis. O fazer histórico tem uma dimensão social mais concreta, e urgente, que vai além da produção científica e dos próprios limites reguladores da profissão.

A ampliação das atividades do historiador está em sintonia com esta nova realidade e tem colocado profissionais criativos que atuam na área da documentação e dos arquivos.

É a partir deste tipo de parceria desprendida que se deve ventilar o Museu como ferramenta de ensino que é. Diante de concorrentes tão fortes como são a TV e a Internet, o Museu precisa armar-se com artilharia muito mais pesada que o “túnel do tempo”, se quiser assumir sua vocação pedagógica originária. Consta, aliás, do Código de Ética Profissional do International Council of Museuns (Conselho Internacional de Museus - Icom) a garantia de que os museus funcionem em caráter educativo, seguindo o princípio que “o museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu meio, para fins de estudo, educação e lazer.”

Para a geração que tem às mãos o zapping e o mouse tão logo inicia seu processo de conhecimento, toda a riqueza de um acervo cultural disposta no museu pode entrar por seus olhos e sair, sem deixar lembranças. É preciso desestimular a bisbilhotagem, atitude típica dos internautas da rede internacional de computadores, e em seu lugar, injetar habilidade crítica e capacidade de valoração dos produtos culturais disponíveis. Traduzindo, é preciso (re)sensibilizar a consciência do cidadão.

Pode-se alegar a desproporção nessa guerra entre combatentes tão ricos, de um lado, e pobres, do outro, como obstáculo de difícil superação. Uma das alternativas seria a integração do conhecimento pedagógico ao museológico, incluindo-se ai, todos os que trabalham tendo o museu como suporte: pesquisadores, produtores culturais, docentes, diretores de escolas, alunos e simpatizantes.

A união destas forças poderia, reavaliar como se dá a recepção estética num museu, como se transfere o conhecimento da História através de exposições, o que a prática educacional, de fato, oferece ao público de diferentes faixas etárias.

A sugestão que deixamos aqui requer muito mais vontade e afinidade entre as escolas e os museus que custos financeiros. Esta mudança de comportamento vai contribuir para uma aprendizagem mais qualitativa que se incorpore ao capital intelectual do indivíduo, principalmente das crianças. Como? Por exemplo, organizando-se mini-oficinas para treinamento de professores com o objetivo de programar visitas monitoradas. Assim, se ofereceria aos alunos subsídios para um diálogo, ou seja, saber extrair dos objetos a informação latente que comunicam.

Outra alternativa no sentido da co-gestão dos museus seria estimular escolas e outras instituições educacionais a organizarem juntas exposições temáticas, proporcionando aos alunos a concretização da interatividade, não mais como agente passivo. Existem várias outras saídas que não a do túnel do tempo. Nas palavras de Maurício Segall: “O passado deve estar a serviço do presente no preparo do futuro”, com a preocupação de se utilizar o objeto preservado com o objetivo de se fazer parte do processo de conscientização do indivíduo. O museu tem que sensibilizar as pessoas a fim de que elas se tornem agentes da realidade.

(*) Márcia R. Nava Sobreira, é especialista em arquivos e professora de Arquivologia na Universidade do Sagrado Coração (USC).

Su Stathopoulos, é fotojornalista do JC e estudante de História, na USC.





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