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Um basta ao desrespeito

Um basta ao desrespeito

José Luiz Gomes do Amaral
Um ano após o lançamento da campanha “Tem Plano de Saúde que enfia a Faca em Você. e Tira o Sangue dos Médicos”, a Associação Paulista de Medicina (APM) tem algumas vitórias a comemorar. O árduo trabalho para coibir os abusos do setor alertou a imprensa e a sociedade, aumentando a pressão para que as autoridades da Saúde dêem um basta no desrespeito contra médicos e usuários. Outro desdobramento importante dessa batalha é que a entidade aproximou-se ainda mais dos pacientes, que, acima de qualquer coisa, são a razão da existência de todos nós, médicos.

Infelizmente, porém, as operadoras até agora não foram devidamente enquadradas. Prova de que continuam fazendo o que bem entendem contra médicos e pacientes, são as reclamações registradas nos órgãos de defesa dos consumidores neste início de 2001. No Idec, os planos de saúde são campeões absolutos em queixas: de janeiro a abril já foram registradas 1.439 queixas, média de 12 por dia. No Procon/SP a situação não é muito melhor. As empresas do setor ocupam o 2.º lugar em consultas: 3.402 de janeiro a março.

Lamentável é que, dentro deste quadro sombrio, a falta de limite dos gananciosos empresários das operadoras acaba de ser brindada com um mimo surpreendente. No começo de maio, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou um reajuste de 8,71% para as operadoras. Só para ter uma idéia do que isso significa, o índice corresponde a mais do que o dobro da meta estipulada pelo governo para a inflação deste ano: 4%. E há mais motivos para indignação: de acordo com o IVC (Índice de Custo de Vida) do Dieese, o preço de oferta dos planos – sem a incidência desses 8,71% - aumentou 330,42% de 1994 até 2001. No período, os contratos antigos tiveram reajustes superiores a 100%.

As operadoras tentam vender a versão de que nada mais fazem do que repassar a seus preços despesas operacionais e com prestadores de serviço. Entre os mesmos anos de 94 e 2001, os honorários médicos não tiveram qualquer reajuste. Ao contrário. Diversos planos de saúde reduziram os honorários de seus médicos e puniram com descredenciamento os que não aceitaram suas imposições. A exploração chegou a um ponto que, hoje, existem empresas que pagam a ultrajante quantia de R$ 10,00 por consulta.

Os problemas no trato com as empresas do setor vão muito além. Parte deles são frutos da lei 9656, que, apesar de avançar na regulamentação da relação entre operadoras e usuários, não fixou regras claras para o relacionamento entre planos e médicos. Resultado: convivemos com pressões quase que diárias para reduzir pedidos de exames, internações e outros procedimentos terapêuticos. Essa postura - tomada em nome de uma suposta necessidade de cortar custos - fere a autonomia profissional de médicos e, muitas vezes, coloca em risco a vida de pacientes.

O absurdo é que isso acontece a despeito de a lei 9656, em seu item II, do artigo 18, dizer claramente o seguinte: “a marcação de consultas, exames e quaisquer outros procedimentos deve ser feita de forma a atender às necessidades dos consumidores...”. Não bastasse pôr em risco a vida dos usuários que sacrificam-se para pagar mensalidades exorbitantes e de desrespeitar o livre exercício da Medicina, as operadoras também recorrem à prática do terrorismo. Até recentemente, quem não entrava no jogo não aceitava as imposições de pacotes nem os cortes de honorários “eram” sumariamente descredenciados. Dizemos eram, pois esta situação deve mudar daqui para frente. Afinal, o Conselho Federal de Medicina (CFM), com o apoio da Associação Médica Brasileira (AMB) e demais entidades médicas, aprovou uma resolução normativa que proíbe as operadoras de planos de saúde de desligar ou descredenciar médicos, exceto por decisão motivada e justa, garantindo-se ao médico o direito de defesa e do contraditório.

A decisão do CFM, aliás, foi motivada pela série de denúncias que vinham sendo feitas de descredenciamento deliberado de médicos por estarem, em nome da boa técnica e do zelo profissional, pedindo os necessários exames para bem atender seus pacientes. O descredenciamento de um médico causa, sem nenhuma dúvida, prejuízos para seus pacientes que se vêem, inesperadamente, obrigados a interromper tratamentos ou procurar outro consultório ou clínica. Os riscos para a saúde do paciente são incalculáveis, mas não têm sido levados em conta pelas operadoras dos planos, interessadas unicamente em auferir lucros.

Essa resolução certamente é uma vitória de médicos e usuários. No entanto, ainda há muito que fazer para moralizar definitivamente o setor. É importante, pois, que entidades como a APM, AMB, CFM, Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e o conjunto das sociedades de especialidades – entidades signatárias da campanha “Tem Plano de Saúde que enfia a faca em você. E tira o sangue dos médicos” – prossigam fiscalizando/denunciando os abusos do setor e unindo forças com pacientes e demais setores da sociedade para reverter esse quadro e tirar a saúde privada da UTI.

(*) O autor, José Luiz Gomes do Amaral é presidente da Associação Paulista de Medicina.




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