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Troca de interesses provocou Abolição

Troca de interesses provocou Abolição

Gilmar Dias
Hoje, aniversário da Abolição, novas versões sobre motivos que levaram o Império ao ato são levantados por historiadores

A visão simplista de que a Princesa Izabel aboliu a escravatura no Brasil por razões humanitárias e até mesmo por pressões internacionais está ultrapassada. Revisões historiográficas mais atualizadas fazem outra leitura dos fatos que culminaram com a libertação dos escravos no dia 13 de maio de 1888. O aporte da assinatura da Princesa Izabel no histórico documento foi apenas um ato político carregado de segundas intenções, resultado de uma movimentação que ganhou força com o nascimento do Império do Brasil, logo após a colônia declarar independência de Portugal, em 1822.

Na visão de alguns historiadores revisionistas, os escravos serviram de contrapeso para o império enfrentar a poderosa oligarquia rural que, destemida, chegou a ameaçar os interesses dos governantes da época. A historiadora e professora do câmpus de Marília da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), Lidia Maria Vianna Possas, é defensora dessa leitura histórica.

A análise da historiadora sobre o assunto vai muito mais além da escravidão clássica, que apontou a existência de uma colônia com comércio de navios tumbeiros e o Quilombo de Palmares como única forma de resistência da nação negra. “As demais formas de resistência desses homens foram neutralizadas”, conta.

A visão humanitária da abolição da escravatura enobrece o branco civilizado em detrimento da luta dos escravos negros pela conquista da liberdade. Lidia avalia que a escravidão no Brasil teve momentos diferentes na colônia e no império. “A relação do senhor com o escravo se alterou nesses períodos. E muito.”

Até a Independência do Brasil, os escravos eram mercadorias essencialmente privadas, situação que se altera com a instituição do império, que se organizou em leis e estruturou um aparelho jurídico. De certa forma, o Estado passou a usar os negros para impor seu poder junto às oligarquias rurais.

“O Estado passou a ter que garantir essa propriedade. Passou, então, a ter uma certa autoridade sobre aquele escravo no privado”, explica Lidia. Com isso, a monarquia passa a usar a situação para “minar” o poder das oligarquias, em função dos desafetos que fustigavam seus interesses. A partir desse momento, os escravos perceberam que poderiam ter o Estado a seu favor, na busca da liberdade.

Opções

O quadro tem o contorno de contradição porque a escravidão é institucionalizada juridicamente, o que tornou o escravo um cidadão. Mas como um escravo poderia ser um cidadão, levando-se em conta a sua situação? Com a visão de que poderia interferir no seu próprio destino, dentro das limitações que lhes eram impostas, os negros começaram a definir, inclusive, nas opções de trabalho, principalmente aqueles cujos senhores residiam na Corte, o Rio de Janeiro, e sobreviviam de locações da mão-de-obra escrava.

“Muitos passaram a decidir para onde queriam servir como escravos. E quando seus desejos não eram aceitos, muitos surravam seus donos, que davam queixa e os mandavam para a cadeia. Mas escravo não pode ficar preso porque perde-se dinheiro. O proprietário retira a queixa e aceita a escolha do escravo”, conta.

Na avaliação da historiadora, a situação da escravidão no Brasil, a partir da segunda metade do século XIX, é mais dinâmica. “O negro, na sua condição de escravo, começou a elaborar um processo de inserção na sociedade civil. Se eles não podem lutar por liberdade jurídica total, lutam por mobilidade de escolha. Eles não são amorfos, sujeitos sem vontade. Quando da abolição, muitos escravos já tinham vivenciado o processo de cidadania.”

Lidia se posiciona contra a leitura histórica de que o negro não conseguiu captar as oportunidades a favor de sua liberdade. “Eles tramaram a sua própria liberdade. Tiveram visões de liberdade de trânsito, de opções. São esses aspectos da escravidão que precisam ser mais visíveis.”

Por outro lado, a professora concorda que a abolição da escravidão foi uma medida simpática da monarquia, numa tentativa para se manter no poder. “O império queria se aproximar da oligarquia mais nova e mais burguesa, principalmente da paulista, que em grande parte já vinha substituindo os escravos pelo trabalho dos imigrantes europeus. Tentaram dar à abolição uma decisão de vanguarda. O Estado imperial tentou assumir uma postura moderna para se manter.”

Ela diz, ainda, que as pressões internacionais tiveram seu peso, mas não foram predominantes. A chegada do capitalismo ao País também colaborou com a abolição. O Brasil foi um dos últimos países do mundo a acabar com a escravidão dos negros.




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