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27/04/01 00:00 -

O Senado na encruzilhada

O Senado na encruzilhada

(*) Gaudêncio Torquato
“Ninguém pode desfrutar das coisas sagradas enquanto não estiver a limpo de corpo e de espírito”. A lição do Levítico, da Bíblia sagrada, quer significar que ninguém pode almejar o paraíso se não for puro. Os impuros e os pecadores hão de pagar os seus pecados no purgatório, se não forem condenados diretamente ao fogo do inferno. Ora, o arrependimento do senador José Roberto Arruda, ao se confessar culpado no episódio de ocultamento da violação do painel do Senado Federal, não lhe dá o direito de reivindicar passagem direta para o céu. A confissão, se denota certa tentativa de recuperar a dignidade perdida, não redime a culpa. Fosse assim, Fernandinho Beira-Mar, o megatraficante, e o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, poderiam simplesmente demonstrar arrependimento e voltarem para o aconchego das fortunas amealhadas.

Ademais, o que está em questão é a teatralização política: em que discurso acreditar? Naquele em que o senador Arruda usa até a virulência da imagem escatológica de vísceras, para dizer que não tinha conhecimento de nada, ou o discurso choroso em que pede perdão aos filhos, aos amigos, a Brasília, ao Senado e ao Brasil? Será que o reconhecimento da culpa não é apenas tática política para evitar a perda do mandato? Como o choro faz parte das estratégias de enganação, em nosso País, é bem possível que as lágrimas senatoriais façam o efeito de comover os companheiros de Casa e acabem salvando o mandato do senador. Tratar-se-á, nesse caso, da mais gigantesca pizza com sobremesa de marmelada que já se ofereceu na esfera do Congresso Nacional.

O que está em jogo não é apenas a imagem devastada dos atores políticos. Está em jogo a própria credibilidade da instituição parlamentar, atingida por um dos mais impactantes petardos da nossa história política contemporânea. Afinal de contas, rompeu-se um dos mais vigorosos eixos da representação política: o decoro parlamentar, atingido pela violação de um processo de votação. Não adianta, agora, repartir as culpas em fatias maiores, médias e pequenas. O saudoso Ulysses Guimarães já dizia: “uma pessoa 99% honesta é 100% desonesta, porque não existe honestidade relativa”. Ou se é honesto ou não. É como gravidez. Portanto, todos os participantes do episódio são responsáveis, incluindo aqueles que receberam a informação a respeito da violação do painel. Se alguém teve acesso à esta informação, deveria ter colocado a boca no trombone, seja ele de qualquer partido.

Se os dois senadores forem punidos, o corpo do Senado deverá ampliar o processo de sanção, atingindo, de alguma forma, o presidente, Jader Barbalho, que está também sob a mira de denúncias. Nesse caso, seria a solução salomônica para atenuar as críticas da opinião pública. Essa conseqüência será mais aceita pela sociedade que um arquivamento do processo. Mesmo a punição sob forma de advertência receberá repulsa. Ou seja, desta feita, será muito difícil jogar a sujeira para baixo do tapete. O Senado terá de cortar a própria carne para saborear a sensação de aplauso da sociedade. Haverá coragem para tanto?

(*) O autor, Gaudêncio Torquato, é jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail:[email protected].




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