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O rumo incerto da América Latina

O rumo incerto da América Latina

(*) Mário Soares
Ao longo de uma estadia de dez dias no Brasil, conversando com algumas das personalidades políticas mais importantes - desde o presidente Fernando Henrique Cardoso até o líder da oposição, Luís Inácio Lula da Silva; desde o ex-presidente e governador de Minas Gerais Itamar Franco, até o velho líder trabalhista Leonel Brizola; desde o vice-presidente Marco Maciel até o jovem e promissor prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro - pude notar uma indissimulável preocupação (derivada do risco de contágio) pela crise que assola a Argentina e que começa a afetar seriamente a estabilidade do Mercosul, em meio a uma certa indiferença por parte do Uruguai e do Paraguai, e do distanciamento progressivo do Chile, do presidente Ricardo Lagos, curiosamente mais interessado no alinhamento com os Estados Unidos do que em sua entrada no Mercosul para reforçá-lo.

Esse quadro de incerteza - de natureza econômica, mas talvez também, e sobretudo, política caracteriza ainda o comportamento da União Européia e se esboça no momento em que a administração Bush parece decidida a reativar o antigo projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) - cuja cúpula acontece entre 22 e 24 deste mês, em Quebec - e a criar um espaço único de livre comércio liderado pela superpotência norte-americana, dentro do qual o Mercosul tenderá - muito provavelmente - a dissolver-se. E tudo isso acontece num momento em que a economia brasileira vive uma franca recuperação, depois da grande crise de 99: a inflação parece controlada, as privatizações de grandes empresas acontecem com apreciável êxito, o PIB cresce, o desemprego diminui e nota-se uma grande atração do investimento estrangeiro (depois dos EUA, Espanha e Portugal são, respectivamente, o segundo e terceiro países investidores nesse país continente que é o Brasil).

A política de estabilização de FHC, líder latino-americano cujo preparo e prestígio não têm igual na região, e que conta com a assessoria de Pedro Malan, ministro da Fazenda, e de Armínio Fraga, presidente do BC, tem colhido resultados apreciáveis, apesar das inevitáveis turbulências políticas, tanto no contexto macroeconômico quanto em relação a políticas concretas como saúde pública, o significativo volume de distribuição de terra aos sem-terra e a generalização da luta contra o analfabetismo, fator que é essencial para a construção de uma sociedade instruída. Apesar desses êxitos indiscutíveis, a política “politiqueira” - como dizem os franceses - do Brasil vai se tornando mais agressiva, o que complica o quadro geral, na medida em que o segundo mandato de FHC caminha para seu final (2002) e começa a se discutir abertamente a sucessão.

José Serra, ministro da Saúde; Lula, líder operário do muito ativo e organizado PT - várias vezes candidato - Itamar Franco e Ciro Gomes são os candidatos mais mencionados, num clima de rivalidade e num horizonte de falta de entendimento entre FHC (PSDB) e Antônio Carlos Magalhães (PFL), o conflitivo e poderoso ex-presidente do Senado e líder indiscutível da Bahia. Por sua vez, a Argentina, que se debate numa crise econômica estrutural, agora agravada com os casos de febre aftosa - naquele que é o maior exportador mundial de carne - teve de chamar com urgência, dando-lhe plenos poderes, o ministro Domingo Cavallo, neoliberal da escola de Harvard, solicitado pelo presidente Fernando de la Rúa. Assim, para onde vai a Argentina, país vulnerável à recessão que se anuncia nos EUA e que se confirma de maneira duradoura no Japão? Resistirá às pressões da Alca (e dos EUA) para distanciar-se do Mercosul e deixar o Brasil entregue à sua sorte, isto é, isolado, frente à pressão dos Estados Unidos? É isso o que se verá na reunião que acontecerá em Quebec?

Advirta-se que toda a Iberoamérica se prepara para incorporar o clima de grave inquietação econômica e política. Para referir-se unicamente aos países grandes, considere-se a incerteza existente no México, com o novo presidente Vicente Fox em apuros entre seu poderoso vizinho do Norte e as reivindicações em favor dos indígenas - e contra a globalização desumana - expressas de maneira pacífica, mas, isso sim, muito corrosiva no plano popular, pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, do mítico subcomandante Marcos. A Colômbia, por sua vez, está às voltas com a interminável questão do narcotráfico e da violência. O Peru se vê açoitado por uma longa crise, à espera da eleição de “el Cholo”, Alejandro Toledo. Ou lembremos da Venezuela, dirigida pelo populismo autoritário de Hugo Chávez, inconseqüente no plano econômico e político. O panorama da região resulta, desse modo, muito diferente da desejável estabilização democrática. Para onde caminha? Diante da incerteza, dói a passividade da UE onde, pelo menos os países latinos - e especialmente os ibéricos, Espanha e Portugal - deveriam entrar em acordo sobre um plano de apoio à América Latina, dadas as relações de parentesco cultural e lingüístico e à coincidência de interesses que nos unem. (IPS).

(*) Mário Soares foi presidente de Portugal entre 1986 e 1996.




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