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Novo mínimo não evita velhos problemas

Novo mínimo não evita velhos problemas

Gustavo Cândido
O reajuste de 19,2%, em vigor a partir de hoje, não evitará que muitos deixem de precisar de ajuda para sobreviver

Depois de tanta demora para ser aprovado pelo Governo, o novo salário mínimo de R$ 180,00, válido em todo Brasil a partir de hoje, não está sendo tão comemorado pelas pessoas que dependem apenas dele para viver. A razão é simples: o reajuste de 19,2% em relação ao mínimo antigo, que soma R$ 29,00, não vai fazer com elas deixem de precisar da ajuda de outras pessoas para levar a vida decentemente ou consigam pagar todas as contas no final do mês.

Se forem analisados apenas os números, o aumento do mínimo supera em muitos pontos percentuais o acumulado no período pelos índices inflacionários: O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) - que é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e vinha sendo usado como base para o reajuste do mínimo nos ultimamente - acumula, nos últimos 12 meses, 5,9%; já o Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) - elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e que serve de parâmetro para o mercado, somou no mesmo período, 9,15%.

Na prática, porém, a história é outra. Quando foi criado, em 1940, o salário mínimo era um vencimento capaz de proporcionar o sustento de uma família média, de quatro pessoas, e cobrir suas despesas com alimentação, moradia, lazer, educação, transporte, saúde, vestuário, higiene e previdência. Hoje, mesmo com o aumento, não é suficiente nem para que uma pessoa que mora sozinha, sem nenhum tipo de luxo, consiga cobrir suas despesas.

O aposentado João Gonçalves, 80 anos, é um brasileiro que vive apenas com um salário mínimo. Viúvo, ex-cozinheiro e ex-pescador, entre outras atividades que exerceu até se aposentar pela idade aos 65 anos, ele mora sozinho numa pequena casa de fundos na qual não paga aluguel, “por conhecer a dona do imóvel há muito tempo”, como diz. Ele conta que com o salário de R$ 151,00, só consegue comer e mal paga as contas de água e luz. “Só gasto com comida e algum remédio quando preciso, é o que dá para comprar. Guardar não tem jeito”, afirma. Quando precisa de alguma coisa mais cara, como um sapato ou uma peça de roupa, o aposentado conta com a ajuda da filha. Mas nem sempre o presente que ganha é um lucro, pois quando o outro filho, que acabou de separar da esposa, precisa, João o ajuda com algum dinheiro. Uma vizinha também sempre lembra dele quando faz a “mistura” o que reforça a sua alimentação.

Morador da Vila Cardia, há muitos anos, João Gonçalves passa grande parte do dia conversando com os amigos, também aposentados na “pracinha” na frente da igreja São Sebastião. Ele não acredita que o aumento do salário mínimo vá mudar a sua vida. “Melhora um pouco, mas o aumento ainda pequeno”, acredita. Segundo o aposentado a diferença de R$ 29,00 talvez só sirva para diminuir o impacto que a conta de luz causa no seu orçamento quando chega, a cada três meses. “Minha última conta de luz foi de R$ 57,00. Paguei e fiquei sem dinheiro”, lamenta.

Ajuda de Deus

A pensionista Dorvalina Batista, 58 anos, vive há dez anos com apenas um salário mínimo como fonte de renda. Mas ao contrário do aposentado João Gonçalves, não conta com a ajuda de ninguém para pagar - ou aliviar -as depesas da casa, no Jardim Nicéia, onde vive com um filho adolescente e o marido. Os outros oito filhos moram em suas respectivas casas e não colaboram no sustento da mãe. “O meu filho não tem idade para trabalhar e o meu marido só arruma emprego de vez em quando como soldador”, revela Dorvalina. “Ninguém me ajuda, só Deus”, completa.

Ex-doméstica, a pensionista, que quase não sai de casa porque não pode andar muito, diz que parou de trabalhar por culpa da saúde frágil. Hoje, gasta grande parte do que recebe com medicamentos para a coluna, o diabetes, a pressão alta e, eventualmente, os eletroencefalogramas que têm que fazer . “Para viver eu tenho que escolher no que gastar, se compro gás, não pago a água e a luz naquele mês. Se pago essas contas, não posso comprar remédio... E assim vai”, conta.

Segundo Dorvalina Batista, o aumento do salário mínimo não vai fazer muita diferença porque é muito pequeno e não acompanha o aumento dos alimentos. “O salário aumenta uma vez por ano, quando aumenta, mas as ‘maquininhas’ de preço do mercado estão sempre funcionando quando a agente vai lá”, comenta.

A diferença do mínimo

O que, na prática, significam os R$ 29,00 que, a partir de hoje, se incorporam ao salário mínimo. Sem pensar em nenhum bem supérfluo, se for ao supermercado com esse valor, uma pessoa vai conseguir comprar uma cesta básica com os seguintes itens:

* 4 pacotes de açúcar de 1kg

* 2 pacotes de arroz Tipo 1 de 5kg

* 1 pacote de farinha de mandioca de 500gr

* 1 pacote de farinha de trigo de 1kg

* 2 pacotes de feijão carioquinha de 1kg

* 1 pacote de fubá de 500gr

* 2 pacotes de café em pó de 500gr

* 1 pacote de macarrão de 500gr

* 1 pacote de bolacha recheada de 175gr

* 1 pacote de sal refinado de 1kg

* 1 pacote de queijo ralado de 50gr

* 3 latas de óleo de soja com 900ml

* 3 latas de extrato de tomate de 140gr

* 1 lata de salsicha tipo viena de 180gr

* 1 copo de tempero pronto de 300gr

O valor ideal

Na opinião da pensionista, o mínimo deveria ser de, pelo menos, R$ 200,00 para começar a fazer diferença na sua vida. João Gonçalves concorda que esse valor seria mais próximo de um salário ideal. Segundo cálculos do Departamento Intersindical de Economia e Estatística (Dieese), o salário mínimo brasileiro, mesmo com o aumento, ainda está muito abaixo do ideal que, pela entidade, deveria ser de R$ 1037.02, ou seja seis vezes o novo valor de R$ 180,00.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT), defende que o mínimo deveria ser de R$ 240,00, o valor adotado pelos países do Mercosul. O Brasil, país que encabeça a aliança de nações que conta a Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, tem o menor salário mínimo de todos, que agora, com a desvalorização do Real, caiu para U$ 85,00. Até o Paraguai, tem um mínimo maior que o brasileiro. Os paraguaios que vivem com um salário recebem 680 mil guaranis - que corresponde a R$ 370,00.




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