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‘Faço um teatro de inquietudes’

‘Faço um teatro de inquietudes’

Redação
Considerado o ator brasileiro mais premiado fora do Brasil, Roberto Cordovani é o protagonista do musical “Lola”, em cartaz somente até hoje, no Teatro Municipal. Na entrevista a seguir, Cordovani fala sobre sua carreira, futuros projetos e dá detalhes da produção do espetáculo, que estreou ontem no Teatro Municipal. A sessão de hoje é às 20 horas.

Pergunta - Como surgiu a idéia desta montagem?
Roberto Cordovani -
Fui convidado para fazer “Vítor ou Vitória”, que teve seu lançamento no cinema com Julie Andrews. A proposta era fazer o mesmo que Julie fez durante quatro anos na Broadway. Como a produção que me apresentavam era quase utópica, pois incluía 147 pessoas, entre orquestra, coral e atores bailarinos, resolvi não entrar nesse projeto e, devido às pesquisas anteriores, fui parar em nazismo e nas músicas proibidas pelo Terceiro Reich. Daí, a proposta de “Lola”, um travesti de um cabaré sobrevivente na Berlim pós-guerra. A partir desses ingredientes e da necessidade de falar na problemática das falcatruas nas prefeituras, achei o momento oportuno para montar este espetáculo.

Pergunta - A produção é requintada, com mais de 50 trocas de roupa. É verdade que a trilha sonora foi criada a partir de hinos proibidos pelo nazismo?
Cordovani -
Sim, é uma produção requintada, voltada sempre para a simplicidade, mesmo porque o requinte do espetáculo não está só nas roupas de estilistas como Dior, Chanel, mas em toda uma equipe que trabalha o não excesso, seja no gestual, seja na interpretação, músicas e luzes. É um elenco escolhido a dedo, reunindo profissionais premiados em diversas áreas.

Rui Moreira, coreógrafo, foi durante 10 anos a estrela do Balé Corpo (companhia de dança reconhecida no mundo todo); ele cria em “Lola”, de acordo com a possibilidade de cada ator, uma qualidade gestual onde a improvisação e o conteúdo do espetáculo se unem com graça e eficiência.

O premiado maestro paulista Charles Dalla reorganizou, junto com Christine Röhrig, a versão brasileira das músicas proibidas pelo nazismo, além de criar novos arranjos para as mesmas nove músicas.

A trilha sonora consumiu 80 horas de gravação nos estúdios Bemol e Nas Montanhas, onde teve a participação especial do Coral Sesiminas, um dos mais representativos organismos da música contemporânea e clássica do estado de Minas Gerais.

O elenco de “Lola”, durante uma hora e meia de apresentação, faz quase 50 trocas de roupa, dando ritmo e elegância ao espetáculo.

Pergunta - Como uma agenda internacional tão extensa foi viabilizada?
Cordovani -
A agenda nacional e internacional de “Lola” está sendo preparada há mais de um ano. O espetáculo tem estréia no estado de São Paulo, na cidade de Bauru, já que o departamento de Cultura da Prefeitura nos incluiu na Semana da Mulher, seguindo depois para Ribeirão Preto, Sorocaba, Rio Claro, São Paulo, Araraquara, Marília, Campinas e Osasco. Apresenta-se também nas principais capitais brasileiras e, a partir de setembro deste ano, fará temporada na Europa, entre Portugal, Espanha, Alemanha e Áustria.

Esta agenda, fechada até março de 2002, foi conseguida devido aos inúmeros prêmios da companhia e pelo próprio espetáculo.

Pergunta - Você se especializou em personagens femininas. Quando e como isso começou?
Cordovani -
Não sou um ator que só interpreta personagens femininas, mas, desde 1982, quando interpretei a Fraulein, de Mário de Andrade, em “Amar, Verbo Intransitivo”, fui reconhecido nacional e internacionalmente. Depois, veio Greta Garbo em “Olhares de Perfil”, primeira produção européia da companhia, seguindo sucessos como “Isadora Duncan” e “Eva Perón”. Além disso, a companhia, por ser de repertório, apresenta ainda “Orlando”, de Virginia Woolf e “O Efeito dos Raios Gama nas Margaridas do Campo”. Ao todo, pelos meus papéis femininos, recebi 14 prêmios internacionais e uma versão televisiva, em uma minissérie portuguesa, de “Eva Perón”, onde interpreto a “mãe dos descamisados”, numa produção grandiosa mostrando os dois lados do peronismo. Criou-se, na época, grande polêmica, principalmente quando foi transmitida na Argentina, mas tanto o espetáculo quanto a minissérie que protagonizei tiveram 10 indicações pela Associação de Críticos de Buenos Aires.

Pergunta - Você teve inúmeras premiações de nível internacional. Qual a mais representativa e a personagem mais marcante?
Cordovani -
O meu prêmio mais importante foi o de Melhor Ator de Londres, atribuído pelo Sindicato de Atores ingleses, onde, na época, Vanessa Redgrave era a presidente, prêmio este que foi concedido pela primeira vez a um ator de língua estrangeira em mais de 100 anos e, sem dúvida, o papel que mais me rendeu prêmios foi o de Greta Garbo em “Olhares de Perfil”. Outro prêmio bastante importante foi o de Edimburgo, na Escócia, onde concorri com 1.054 companhias, entre elas a de Franco Zefirelli, Ingmar Bergman, Michael Clark e a produção inglesa de “O Fantasma da Ópera”. Esse prêmio foi outorgado pelo Príncipe Andrews no verão de 1988, na Escócia.

Pergunta - Como você define a platéia paulista. É muito diferente da mineira, ou de países europeus?
Cordovani -
Platéia é platéia no mundo inteiro. No momento em que o público entra no teatro, a cumplicidade e, conseqüentemente, a catarse entre palco e audiência torna-se universal.

Pergunta - Você já tem em mente outro projeto para realizar depois da turnê europeia de “Lola”?
Cordovani -
Fui convidado pelo pesquisador da USP e especialista em Clarice Lispector Gilberto Figueiredo Martins para protagonizar uma montagem sobre a renomada autora brasileira, com estréia no próximo ano em Coimbra.

Pergunta - Quando e como iniciou sua carreira nas artes cênicas?
Cordovani -
Desde a infância, em balé clássico, dublagens para televisão, até teatro infantil. Em 1977, a crítica me consagrou como o mais jovem, na época, diretor teatral. Com apenas 20 anos realizei meu primeiro grande sucesso com “O Milagre de Annie Sullivan”, permanecendo três anos e meio em cartaz em São Paulo. Em 85, fui chamado para fechar o Fitei, em Portugal, com “Amar, Verbo Intransitivo”. Desde lá e com mais de 20 produções realizadas e distribuídas pela Europa, a Companhia Arte Livre, a qual fundei, vem se destacando pela qualidade de temas, estética e, sobretudo, pelo peso da língua portuguesa. O resultado do nosso trabalho, incluindo “Lola”, é um mergulho na interioridade, um confronto de emoções e a obsessão pela defesa de uma imagem ambígua, a força e a fragilidade, a coragem e a fraqueza.

Faço um teatro de inquietudes, de interrogações, de emotividade, confrontando o espectador com o universo imenso das suas próprias fraquezas e exorcizando fantasmas do comportamento humano num desafio de permanente paixão com o qual o público se identifica e emociona.




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