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MP foi retaliação, afirma promotor

MP foi retaliação, afirma promotor

André Tomazela
Diretor da Associação Paulista do Ministério Público diz que medida que limitava ação de promotores era inconstitucional

O promotor de Justiça de Bauru e diretor da regional da Associação Paulista do Ministério Público, Luiz Carlos Gonçalves, analisa a edição e reedição da Medida Provisória pelo Governo Federal que, segundo ele, era manifestamente inconstitucional, restringia o poder outorgado democraticamente aos promotores e procuradores da república através da aplicação de multa e reconvenção.

Dez anos de promotoria em apenas 32 anos de vida. Esse é o começo da história do bauruense Luiz Carlos Gonçalves, nascido em 29 de julho de 1968 e que, hoje, acumula diversas funções na área jurídica, em Bauru.

Ele é o 12.º promotor de Justiça de Bauru, numa equipe de 13, atuando na função de execuções penais e corregedoria de Polícia Judiciária. Além disso é o coordenador acadêmico da Escola Superior do Ministério Público, responsável pela promoção de cursos e palestras na cidade, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Instituição Toledo de Ensino (ITE) e da Universidade Paulista (Unip).

Atua, ainda, como diretor do 10.º núcleo regional da Associação Paulista do Ministério Público.

Na entrevista, Luiz Carlos Gonçalves fala de sua trajetória profissional, da função da Associação Paulista do Ministério Público e da própria atuação do MP, que ganhou força após a Constituinte de 1988. Comenta também, a Medida Provisória editada e reeditada pelo Governo Federal que seria uma retaliação ao MP, impondo limites inconstitucionais à ação dos promotores.

Jornal da Cidade - Gostaria que o senhor falasse um pouco de sua trajetória profissional na área jurídica. Como iniciou a carreira até chegar à direção regional da Associação Paulista do Ministério Público?

Luiz Carlos Gonçalves
- Eu ingressei na Faculdade de Direito de Bauru em 1985, ocasião em que eu era bancário. Eu trabalhava no Banco Comércio e Indústria S/A (Comind), que foi liquidado extra-judicialmente. Encerrei a faculdade em 1988, ano no qual eu já era funcionário do Poder Judiciário, exercendo a função de escrevente técnico judiciário. Dois anos depois, em 1990, eu ingressei nos quadros do Ministério Público, exatamente no dia 30 de outubro de 1990. Sete anos depois, em 1997, eu alcancei o cargo de 12.º promotor de Justiça de Bauru.

JC - falando da Imprensa, como o senhor avalia a relação dos meios de comunicação e o Ministério Público?

Gonçalves
- Se o objetivo da Imprensa é sempre manter o cidadão informado, eu acho que o promotor de Justiça deve, também, facilitar esse acesso da Imprensa. Eu só penso que a pessoa que, temporariamente e ocasionalmente, está investida naquele cargo, não deve ter destaque nenhum. Deve todo o mérito ser destinado a uma instituição que, constitucionalmente amparada, tem um ofício muito difícil diante da sociedade.

Nós somos em 13 promotores de Justiça em Bauru e eu ficaria muito feliz em estar representando a instituição e não falando da minha pessoa. Isso porque é praxe entre os promotores do MP manter uma atitude reservada com relação à Imprensa.

Eu gostaria que ficasse bastante claro que a gente comparece às entrevistas por existir uma obrigação social em se apresentar o trabalho realizado pelo MP. É opinião da maioria dos promotores de Bauru, de que a gente tem que ter uma participação muito discreta na mídia.

Eu estou aqui, até numa posição um pouco desconfortável, porque a gente vive divulgando que o promotor não pode aparecer muito na mídia. Eu queria que as pessoas soubessem que eu estou aqui mais por um dever social, depois de muitas recusas.

JC - Como é a rotina de um promotor de Justiça? É semelhante ao trabalho desenvolvido por investigadores? Quais os instrumentos são utilizados para facilitar o trabalho?

Gonçalves
- O MP, que é representado pela figura do promotor, possui divisões constitucionais. Nós temos um MP Federal, representado pelos procuradores da República e temos um MP estadual, representado pelos promotores de Justiça.

Aos procuradores da República foram destinadas determinadas atividades ligadas ao Direito Econômico, ao Direito Ambiental e uma série de questões particulares da Procuradoria da República. Aos promotores estaduais, os crimes comuns por excelência e todas essas investigações de improbidade, de lesão aos cofres públicos e a função que, ocasionalmente, também é eleitoral. Eu também sou promotor eleitoral em Bauru.

O promotor público estadual deve atuar na área cível ou criminal. Eu atuo apenas num segmento da parte criminal, que seriam as execuções criminais. Eu e o meu colega Jerônimo Crepaldi, nós atuamos diante das execuções criminais e, também, à frente da Corregedoria da Polícia Civil.

Nosso dia a dia seria, mais ou menos o de um profissional normal. Nós comparecemos diariamente ao fórum, no período da manhã e no período da tarde, onde permanecemos à disposição do público de toda a atividade essencial à promotoria, até às 19 horas. Nós dois somos facilmente localizados porque visitamos cadeias públicas, penitenciárias, sendo duas delas fora da comarca, em Pirajuí.

Nós estamos à disposição para tentar realizar o melhor serviço possível à comunidade. Nós atendemos parentes de presos e toda pessoa interessada em obter informações sobre àqueles que estão presos, cuja jurisdição pertence à Vara das Execuções Criminais de Bauru.

Os sentenciados giram em torno de cinco mil reeducandos. São dois presídios de regime fechado, em Bauru, com aproximadamente 850 presos cada uma. Um presídio de regime semi-aberto que seria o Instituto Penal Agrícola (IPA), de Bauru, com aproximadamente 650 presos, e mais duas penitenciárias em Pirajuí, cada uma delas comportando em média, 800 a 900 presos. Nesse momento nós vivemos um período em que a capacidade da população está sendo ampliada, muito embora não se amplie de modo estrutural. Por imposição da coordenação em São Paulo, nós estamos aumentando o número de presos nesses cinco presídios.

JC - A constituinte de 1988 foi um marco na história do MP. O senhor poderia comentar?

Gonçalves
- A partir de 1988, o MP ganhou garantias constitucionais e novas atribuições constitucionais. Essas atribuições deram maior destaque, diante de um cenário nacional, estadual e municipal, para o MP. Principalmente naquelas ações em que o MP procura movimentar o judiciário para obter ressarcimento do erário público, que implica, necessariamente, hoje, em atos de improbidade, que acabam determinando a perda de cargos do executivo. Isso, sem dúvida, não é a minha área, mas deu uma repercussão e um destaque muito grande para o MP. Em decorrência deste destaque, muitas vezes, em todas as nossas áreas, a gente acaba enfrentando problemas que, muitas vezes não são compreendidos.

JC - O senhor está falando sobre Medida Provisória editada pelo governo que restringe a ação do Ministério Público?

Gonçalves
- Em algumas oportunidades a gente encontra alguma atuação que se fez de maneira excessiva. Esses comportamentos é que determinaram e ensejaram a divulgação da Medida Provisória, que foi reeditada no final de dezembro, na qual o governo procurou alterar normas da lei de improbidade. Essas normas atingiram diretamente o MP no que se refere ao fato de se poder processar o promotor de Justiça na sua pessoa e não aquele que ele representa, que seria o Estado ou a sociedade.

Seria um absurdo nós admitirmos que um advogado proponha uma ação a favor do cidadão sendo que o cidadão forneceu a esse advogado informações inverídicas. Assim, a parte contrária, se sentindo lesada, vai processar o advogado? Não. Tem que processar a parte. Da mesma forma, já existe legislação para que a pessoa do promotor seja punida, no caso de excessos cometidos pelo MP.

Esses excessos seriam diretamente cerceados pelo Poder Judiciário, porque o juiz não acolheria um pedido injustificado ou uma ação civil pública manifestamente improcedente. Mesmo assim, além dele já ser delimitado pelo Poder Judiciário, o promotor sofreria uma série de sanções dentro da Corregedoria de cada uma das instituições.

Agora, permitir a reconvenção, que seria processar pessoalmente o promotor dentro da mesma ação e puni-lo com uma multa de, aproximadamente, R$ 151 mil, isso se mostrou tão desastroso, tão desproporcional, tão incabido, que fez o governo, depois de uma certa análise política, concluir pela retirada da Medida Provisória, o que então tranqüilizou os promotores.
Segundo informações obtidas pela Imprensa, o governo teria atuado desta forma, até porque, estaria se tirando um mecanismo de proteção da sociedade, o que não seria interessante nem mesmo para o governo.

JC - A Medida Provisória reeditada não acaba restringindo da mesma forma a ação do MP?

Gonçalves
- A medida foi reeditada com alterações. A multa e a reconvenção, os dois aspectos negativos, manifestamente inconstitucionais, foram retirados. O governo percebeu que estaria sendo proposta uma ação pela Associação Nacional dos Procuradores da República e, fatalmente, em poucos dias se obteria uma liminar suspendendo os efeitos e a vigência da Medida Provisória.

O MP ganhou algumas limitações, mas eu entendo que são as mesmas que já existiam. O promotor de Justiça não pode ser soberano. Ele não julga, ele propõe uma ação. Se ela é manifestamente improcedente, cabe ao poder judiciário não recebê-la. Se se verifica que o promotor agiu de maneira dolosa para prejudicar um inimigo, deverão ser tomadas as medidas de natureza correicional, nas quais o promotor ou o procurador da República responderia pelos excessos que poderia, eventualmente, causar.

JC - Houve algum fator de natureza política na edição da Medida Provisória pelo governo?

Gonçalves
- Eu tenho percebido, pelas discussões dentro de cada uma das instituições, que se identifica problemas de natureza política, que determinaram que o governo editasse essa Medida Provisória. Mas como são suposições, eu não posso citar nomes. Não posso fazer acusações e seria leviano da minha parte atribuir algo que eu, realmente, não conheço. O que eu posso afirmar, é que ela foi editada e, posteriormente, reeditada com inconstitucionalidades manifestas e, após negociações entre o MP e o governo, chegou-se, então, à conclusão de que ela não deveria mais estar vigendo, e, assim, não foi mais reeditada.

JC - Em algumas circunstâncias, o fato de estar investigando e denunciando, provoca retaliações da parte acusada? O senhor já passou por alguma situação perigosa?

Gonçalves
- Toda a legislação que procura diminuir o poder de um promotor, de um juiz, de um fiscal ou de um delegado de polícia, eu vejo como uma retaliação.

Para os homens de bem e para aqueles que agem com boa fé, eu acho que nós devemos entender que a norma, que tem caráter abstrato, deve sempre atribuir poder a determinada pessoa. Se uma pessoa não sabe usá-lo, ela que deve sofrer retaliações, mas não o poder que se outorgou democraticamente e constitucionalmente à uma instituição. Isso existe, à exemplo da Medida Provisória. Depois de muita discussão, se chegou à decisão de que ela não deveria ser reeditada, mas a retaliação ficou demonstrada.

Eu, atuando dentro do direito penal, já fui muitas vezes sondado e indiretamente ameaçado. Algumas vezes já percebi que era seguido mas, na verdade, nada de concreto. Foi algo que eu sempre entendi como tolerável, muito embora eu esteja vivendo um momento em que isso causa uma preocupação maior, em função da minha atividade de execução criminal.

JC - O que pensa da atuação do procurador Luiz Francisco de Souza nos casos de Eduardo Jorge, da privatização do Banespa e de Ildebrando Pascoal?

Gonçalves
- Ele me parece ser um profissional muito sério e capacitado. O que levou o procurador geral da República a mantê-lo nos casos, somente porque ele mostra capacidade para poder promover cada uma dessas ações. Esse seria o único motivo. Mas eu o conheço muito pouco porque ele é do MP Federal.

JC - Qual a função que desempenha na Associação e qual a relação dela com a Associação Nacional dos Procuradores da República e dos membros do MP junto à categoria?

Gonçalves
- Representando a Associação Paulista do MP (nós temos 10 regionais no Interior do Estado), eu e o colega Gustavo Zorzella Vaz, estamos na direção por uma mandato de dois anos. Nós temos duas funções. A primeira é divulgar e dar acesso ao promotor local à todos os serviços realizados por uma associação de classe de todas as formas, desde transporte, entregas de documentos, xerox, locais para reuniões, agendamento com secretária, cotação de preço, Unimed e demais serviços que forem solicitados.

Existe, também, o objetivo de, como em toda a associação de classe, proteger os interesses da instituição. Essa atuação, que seria por excelência, do presidente José Carlos Cosenzo, perante à Assembléia Estadual ou perante o Congresso Nacional, ou fazendo frente diante do governador, reinvindicando melhores condições de trabalho, melhores salários, ampliação do orçamento, até mesmo para pagamento de despesas de salários, isso tudo, na verdade, a gente não faz porque se concentra tudo na Capital diante da presidência e da diretoria executiva.




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