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11/02/01 00:00 -

Quem somos nós hoje?

Quem somos nós hoje?

Padre Beto (*)
Nos estávamos em Évora, uma linda cidade portuguesa fundada pelos romanos no tempo de César. Évora possui uma atmosfera romântica que lembra um pouco nossa Ouro Preto: casarios dos séculos XV e XVI, ruas estreitas, uma das mais antigas universidades da Europa e tudo isso com um toque lusitano que torna a cidade portuguesa com certeza. Ao entrarmos em uma das principais igrejas da cidade, meu amigo português me chamou a atenção para um corredor que conduzia para os fundos da igreja: "Estais a perceber? Se entras por aqui, irás visitar uma das capelas mais impressionantes de Évora!"

Com a expectativa de ver alguma obra de arte caminhei pelo corredor estreito em estilo medieval e de pouca iluminação. Chegando ao seu final, encontrei-me em uma sala fria construída de pedras e em seu fundo avistei a entrada da tal capela, decorada com pintadas de esqueletos e crânios humanos. Quando cheguei mais perto notei, com surpresa, que os esqueletos não eram pintados nem feitos de gesso, mas verdadeiros ossos humanos cravados nas pedras.

Ao entrar na capela fiz uma das experiências de oração mais profundas de minha vida. A capela em seu todo estava revestida com ossos humanos. Muitos crânios, ossos pequenos e grandes cobriam as paredes, os pilares, o altar sem deixar nenhum espaço vazio.

Nenhuma imagem de Santo, nenhum vaso com flores, simplesmente ossos e crânios humanos todos encravados nas paredes formando algumas figuras geométricas ou simplesmente acompanhando a forma da construção da capela.

Em uma das paredes podiam ser vistos dois esqueletos completos: um adulto e uma criança. Os ossos e os crânios eram um convite, ou melhor, um apelo para meditar sobre a realidade da vida e sua efemeridade. Ali estavam pessoas que nasceram e construíram uma história, lutaram pela vida e acreditaram na realização de seus sonhos.

Ali, expostos de forma impressionante, estavam pedaços de vidas, que sentiram cansaço, dor, alegria e prazer. Cada um procurando dar um sentido à sua vida.

Depois de alguns minutos, percebi acima do altar uma frase escrita com ossos: “Nós que aqui estamos por vós esperamos”. Sentei-me em um dos bancos e comecei a pensar em meus próprios ossos que um dia se tornarão testemunhas de uma vida já passada.

Na vida tudo é incerto. O futuro só nos oferece probabilidades. Nós não sabemos se vamos ficar mais ricos ou mais pobres, se vamos continuar morando nesta cidade ou nos mudaremos para uma outra, se continuamos no mesmo emprego ou teremos uma outra atividade daqui há alguns anos.

É realmente um paradoxo, mas o único fato seguro e certo da vida é o fenômeno que chamamos de morte. À medida que surgimos para a vida começamos a caminhar para a morte.
Talvez, por um mecanismo de defesa, pensamos muito pouco sobre esta única certeza da vida. O sentimento de sermos eternos e vivos acaba camuflando a realidade passageira da vida, ou pelo menos deste estágio que vivemos. Mas basta olharmos um pouco para o passado para vemos quantas etapas já se passaram e quantos momentos de "morte" já vivenciamos, para perceber que a vida é passageira.

A própria raça humana é algo relativamente novo neste planeta, se pensarmos que entre os dinossauros e os primeiros homo sapiens passaram-se nada menos que sessenta milhões de anos. Ou então, ao olharmos para o céu não é difícil chegar à idéia de que em algum momento um astro poderá atingir a Terra e acabar com a possibilidade de vida neste planeta.

Paul Cézanne estava certo quando disse: "Precisamos nos apressar, se quisermos ver alguma coisa, pois tudo desaparece." Menos difícil do que uma catástrofe é a possibilidade de através de uma doença ou um acidente a nossa caminhada, de repente, chegar ao seu fim.

A efemeridade da vida nos leva à reflexão sobre o seu sentido. Este, porém, nós só encontramos ao olharmos para o nosso presente. Se morrêssemos hoje, quem estaria morrendo? Será que realmente morreria a pessoa que gostaríamos de ter sido? Por ela ser passageira, a vida acaba ganhando seu sentido no dia-a-dia, ou seja, a cada dia temos a chance de dar um sentido para a razão de viver.

Os seres humanos são levados, muitas vezes, a viver nas lembranças do passado ou nas esperanças do futuro. Nos mais idosos a tendência mais forte é a de relembrar o passado, já os mais jovem constróem sua vida nos planos para o futuro.

Memória e esperança são fundamentais, mas o sentido da vida se encontra no que existe agora. E se quisermos encontrá-lo precisamos responder, sem medo, à pergunta: quem somos nós hoje. Importante é não esquecer que esta pergunta só se responde com a própria vida. "Se queres ser feliz amanhã, tenta hoje mesmo" (Liang Tzu).

(*)Especial para o JC Cultura

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