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28/01/01 00:00 -

O Brasil em julgamento

O Brasil em julgamento

(*) Zarcillo Barbosa
A imprensa brasileira passou todo o ano 2000 reproduzindo manchetes sobre discussões jurídicas como a CPI do Judiciário, juiz Nicolau, procurador da República Luiz Francisco de Souza, novela das oito, privatização do Banespa, final da Copa JH, quebra de sigilo bancário, lei da responsabilidade fiscal, remédios genéricos, os alimentos transgênicos. Metemos o bedelho até no que não nos compete, como a validade das eleições presidenciais norte-americanas. Gente preocupada aqui e eles lá... nem tchum.

FHC declarou em Bali que o Tesouro nada tem a ver com as correções das perdas do FGTS ocasionadas pelos planos econômicos Verão (1989) e Collor (1990). Nosso presidente deveria estar sob os efeitos do “jet lag”, aquela doença que acomete quem muito viaja de avião e atravessa vários fusos horários em pouco tempo. O problema, segundo ele, é para ser resolvido entre patrões e empregados. As empresas devem passar a recolher 8,5% da folha de salários mas, para a conta do trabalhador no FGTS serão creditados 7,5% em vez de 8% atuais. Quando houver dispensa sem justa causa, os 40% da multa sobre o FGTS a que o trabalhador tem direito, ficarão retidos para recompor os fundos desse fundo sem fundo. Mas os autores daquele duplo passe de mágica que surrupiou R$ 40 bilhões do bolso dos empregados foram Bresser Pereira e Zélia Cardoso Mello, agentes do governo no tempo do Sarney e do Collor, respectivamente. Agiam como delegados do sistema e com a aprovação dos presidentes de então.

E o governo não tem nada a ver - segundo FHC.

Fico com raiva só de mencionar os assaltos protagonizados por esses “descuidistas”, como eram denominados antigamente aqueles que surrupiavam bolsas e pacotes no bonde, aproveitando a distração dos passageiros. Com a maior naturalidade, Bresser e Zélia, na ocasião ainda se gabavam de terem salvo o país do “desastre econômico”. Volto ao objetivo inicial desta crônica, do qual me desviei, provocado por mim mesmo. A tese que pretendo demonstrar é que o Brasil se judicalizou. A sociedade tinha sede de justiça. Somente após a entrada em vigor da atual Constituição, em outubro de 1988, o brasileiro pôde fazer valer os seus direitos, até então abstratos, e a exercer a cidadania antes tolhida por atos de exceção. Hoje, a confiança na Justiça é maior. O Ministério Público transformou-se de simples órgão do Executivo no “Quarto Poder” da República. A imprensa carregou por séculos esse título, indevidamente, mas soube se acumpliciar com os novos titulares. Isso colaborou em muito para que o povo voltasse a acreditar numa das mais caras instituições do Estado-nação. As novas gerações desconhecem, mas houve tempo neste país que até o Lalau mandava prender e arrebentar. E assim passamos o último ano do século XX lendo e ouvindo notícias sobre Cacciola, Ricardo Mansur, Luiz Estevão, Eduardo Jorge, Sérgio Naya, Jorgina de Freitas, vereador Vicente Viscome, deputado Hildebrando (aquele que se utilizava de uma serra elétrica para fazer picadinho dos seus desafetos). Há ainda o caso do jornalista Pimenta da Veiga, do jogador Edmundo, do prefeito Izzo Filho. O brasileiro hoje, é um perito em crimes contra o povo. Saabe tudo. Como diria Miguel Reale, somos todos espectadores e protagonistas; testemunhas e julgadores, acusadores e réus. Neste novo século todos têm que se cuidar. Prefeitos e vereadores terão que aprender a administrar dentro da lei, o que representa um tremendo desafio depois de um século de aculturamento em gastanças desordenadas e avanços nos cofres do erário. Os advogados continuarão às voltas com o largo abismo que separa a ética que se reclama da ética que se pratica. A magistratura, assim que conseguir retirar seus esqueletos do armário e espantar seus fantasmas, deverá erguer o tom da voz. Está um pouco apática, mas há indicadores de que a categoria não está mais disposta a apanhar calada. em muitos Estados dos grotões do Brasil, a faxina terá que ser feita, antes.

Quanto ao Ministério Público, sabe-se que coragem e independência têm seu preço. Quanto mais, maior a resistência do poder político, que engloba o econômico. Como não são todos Luiz Francisco de Souza e para que a categoria não confunda coragem com afoiteza; independência com jactância e nem acuse o particular de crime de peculato, é necessário que se auto-regulamente antes que outros o façam. O falecido artista pop Andy Warhol dizia que todos nós temos direito na vida a 15 minutos de celebridade. É preciso segurar esses procuradores que querem usufruir logo desses 15 minutos, não importa como.

(*) Zarcillo Barbosa é colaborador do JC




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