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Crise familiar gera aluno-problema

Crise familiar gera aluno-problema

Josefa Cunha
Pesquisa realizada por assistente social mostra que instabilidade pode influenciar diretamente o aluno na sala de aula

As instabilidades familiares aliadas à baixa renda são fatores que influenciam diretamente no comportamento dos alunos nas salas de aula, principalmente na fase da adolescência. Essa realidade foi confirmada em uma pesquisa realizada por Cibele Zanirato Cabral, 28 anos, recém-formada pela Faculdade de Serviço Social da Instituição Toledo de Ensino (ITE). O trabalho, elaborado inicialmente para cumprir o projeto obrigatório de final de curso, foi tão revelador que será apresentado num congresso sobre educação, no Rio de Janeiro.

A idéia de pesquisar as relações sociais com a conduta escolar do aluno surgiu quando Cibele cumpria estágio na Escola Estadual Luiz Castanho de Almeida, Vila Falcão. O grande número de estudantes indisciplinados, notadamente de 5.ª e 6.ª séries, instigou a universitária a buscar as razões para aquelas atitudes rebeldes. “Minha pesquisa partiu de um estudo das expressões sociais, que nada mais são do que o conjunto das desigualdades existentes na sociedade. Inicialmente, eu pretendia me concentrar nos aspectos pobreza e violência familiar, mas acabei retratando mais as crises familiares, porque, embora de baixa renda, os alunos da Luiz Castanho apresentavam certa condição financeira. Além disso, notei que o comportamento violento se sobrepunha sobre outros aspectos”, explicou.

O livro de ocorrências da escola - método punitivo pouco usual atualmente - foi a primeira fonte de Cibele, que dali colheu nomes dos 15 alunos mais problemáticos. A maioria deles aparecia no “livro negro” por não participar das atividades de classe e atrapalhar o andamento das aulas, acrescendo-se aí algumas condutas agressivas contra professores.

Na opinião da pesquisadora, a existência do livro de ocorrências escolar já é um expediente questionável - seria, guardadas as proporções, algo parecido com a ficha policial; uma vez inscrito, sempre marcado. A postura dos professores também não contribuiria positivamente. “Os professores normalmente são intolerantes com os alunos-problema, optando por retirá-los da classe e suspendê-los, quase sempre sem saber o porquê daqueles comportamentos. Isso contribui ainda mais para que esses estudantes fiquem à margem. As escolas precisam se estruturar com equipes multidisciplinares, preparadas para identificar e ajudar os alunos rebeldes. Enquanto a estrutura educacional não mudar, os problemas tendem a permanecer e até se agravar”, alerta Cibele, lembrando que seu trabalho sugere a presença de assistentes sociais e psicólogos nas unidades públicas de ensino.

O contato com os alunos-problema precisou se repetir várias vezes até Cibele conseguir a confiança deles e, conseqüentemente, as confidências que desejava saber. “No início, eles iam para entrevista mais pelo fato de se libertarem da aula do que por qualquer outra coisa. Depois, passaram a se abrir e contar as experiências que viviam dentro de casa”, contou. O que a universitária ouviu dos adolescentes, aliás, foi surpreendente e, por vezes, lamentável.

Entre os meninos, os novos arranjos em família foram apontados como o fator principal das revoltas. Eles se queixaram da má-relação que mantêm com padrastos ou madrastas; alguns sequer chegam a conversar. Em dois casos, os alunos vivem com os tios porque os pais morreram vítimas da aids. Frases do tipo “Você não é meu filho” soam amargas na cabeça desses adolescentes.

Com as meninas, a situação parece pior ainda. Entre as pesquisadas, Cibele encontrou várias que sofreram ou convivem com ameaças constantes de abuso sexual por parte dos pais ou padrastos. Além disso, também enfrentam conflitos decorrentes da instabilidade familiar - separações, novas relações e brigas.

O alcoolismo, o autoritarismo e a falta de diálogo, por sua vez, são problemas comuns nas famílias de ambos os sexos. “Todos reclamaram do abismo que enfrentam para dialogar dentro de casa, um hábito que não poderia deixar de existir entre pais e filhos, especialmente na fase da adolescência. A falta de proximidade acaba fazendo com que eles se tornem calados e retraídos no ambiente familiar. Resultado: extravasam na escola tudo o que têm por dentro entalado”, analisou.

Os pais, ainda que chamados na escola para tomar ciência do comportamento dos filhos, pouco fazem para mudar. Talvez não de maneira proposital, mas porque pouca afinidade têm com o ambiente escolar. Segundo a pesquisa de Cibele, mais de 95% dos pais dos alunos entrevistados não chegou a completar o 1.º grau (8.ª série) e hoje sobrevivem às custas de subempregos. “A maioria não se preocupa com a importância da escolaridade e, por isso, não motiva os filhos a ir para escola. Também pouco se importa com o comportamento deles em sala de aula. É um ciclo vicioso”, avaliou.

Dois passos sugeridos em busca de soluções para o crítico problema parecem viáveis, embora dependam da boa vontade do governo, diretores de escolas e professores. Na opinião de Cibele, a criação de equipes multidisciplinares é a primeira mudança necessária. Além do apoio assistencial e psicológico aos estudantes, elas serviriam para colocar os professores a par dos problemas individuais dos alunos. A outra sugestão vai diretamente para os professores, que deveriam se preparar melhor através de reciclagens constantes. “A forma de ministrar as aulas está precisando mudar para tornar o aprendizado mais atrativo”, aconselha o trabalho, que identificou a preferência dos alunos por aulas mais dinâmicas como Educação Física e Informática.

Acompanhe alguns números*

*Apenas 20% vive com o pai e mãe biológicos
*A renda familiar de 50% varia entre três a cinco salários mínimos
*67% já foi vítima de violência (física ou moral)
*100% acham que a escola é caminho para um futuro melhor, mas 80% admitem que não aproveitam as aulas
*Mais de 90% revelaram preferência pelas aulas de Educação Física e Informática

(*pesquisa feita com 15 alunos de 5.ª e 6.ª séries da EE Luiz Castanho de Almeida)




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