Bauru e grande região - Sexta-feira, 04 de outubro de 2024
máx. 31° / min. 12°
14/01/01 00:00 -

ARREPENDIMENTO TARDIO

ARREPENDIMENTO TARDIO

João Álvares
Um poeta pobre que tangeu a sua lira em homenagem à riqueza, depois de se referir ao dinheiro em sugestivas estrofes, deu-lhe uma definição judiciosa mais ou menos nestes termos:

“Ave do sol que nos deslumbra a vista,
e salpica de sangue a face do Universo,
se eu tivesse, talvez fosse um poeta...
Ou nem sequer possuísse a inspiração de um verso”.
Estas rimas, metrificadas com bom senso, refletem uma grande verdade.

Realmente, o dinheiro é como as aves. Quase sempre está acima das nossas cabeças... Transformando os bolsos em gaiolas insaciáveis, vivemos espalhando por toda a parte os grãos de alpiste das pequeninas desonestidades, na eterna calçada da ambição. De fato o dinheiro nos deslumbra a vista. E deslumbra tanto, que às vezes cega... Efetivamente ele tem encharcado de sangue e lágrimas a superfície da terra, como a principal mola geradora de guerras monstruosas. E é tão dominante o seu poder que ao conquistá-lo, nunca sabemos se nos transformaremos em santo ou converteremos em um réprobo. O dinheiro tem o condão de dilatar a nossa capacidade de ação, aumentando-nos a resistência física e ampliando-nos as faculdades intelectuais. Para obtermos algumas moedas extras, multiplicamos esforços fora dos horários normais de trabalho, exaurindo desregradamente as energias orgânicas, e, ainda, ensaiamos mil ginásticas com a inteligência, valendo-nos da argúcia para enovelar os semelhantes na teia de nossos interesses egoísticos. Ora, parece razoável que procuremos ganhar o metal sonante na maior quantidade possível, a fim de satisfazer com presteza as necessidades materiais. É justo, até certo ponto, aspirarmos à posse de títulos bancários que nos permitam proporcionar conforto àqueles que nos são tutelados. E é compreensível, de algum modo, a sofreguidão com que buscamos a fortuna, quando perseguimos a prosperidade por meios lícitos, preocupados em garantir um futuro prenhe de tranqüilidade e segurança, o que, aliás, não conseguiremos com simples acúmulo de cédulas do Tesouro Público, pedaços de papel que podem nos dar os prazeres momentâneos da carne, mas não o sossego de espírito. Lutar pela melhoria da situação financeira é um direito que nos assiste, em um mundo onde os bens indispensáveis à sobrevivência são adquiridos na base de troca e das compensações, dentro de um clima de concorrências e animosidades, no qual todas as disputas se desencadeiam legalmente como decorrência de multiformes rivalidades.

Entretanto, “nem só de pão vive o homem”... Os mais preciosos tesouros do Planeta não comprarão uma gota de paz para a consciência esbraseada do remorso nem um minuto de contentamento para o coração enlutado de dor moral. Todos reconhecemos isto. É claro. Tão lógico. Tão convincente... E, nada obstante todos queimamos, na febre do ouro, a seiva dos mais sofridos ideais. Por quê? É que damos ao dinheiro um valor que ele não tem, supondo-o capaz de resolver a totalidade de nossos problemas. À medida que recheamos o cofre das economias, maior a nossa inquietude, maior a nossa cobiça. Embora não sejamos propriamente gananciosos, almejamos sempre um pouco mais, mais e mais... E então, a pretexto de sermos previdentes, tornamo-nos avaros. Como renunciar a uma fração do que detemos, se tudo que nos chegar às mãos talvez, seja insuficiente para a manutenção do porvir? - Urge assegurar o dia de amanhã para envelhecermos em serena abastança, sem correr o risco de pedir esmolas e suportar privações... Que os outros façam o mesmo... “Cada um cuida de si e Deus cuida de todos”... Não temos coragem de repartir com os miseráveis uma parcela do que nos sobra: todos os patrimônios supérfluos devem ser resguardados para o regalo dos dias porvindouros... Nem sequer dispomos de tempo para ouvir súplicas e gemidos, lamentos e soluços, porque temos o íntimo atormentado por ânsias e temores, no torvelinho de transações sucessivas onde nos martirizam o desejo de lucrar e o medo de perder.

Vez por outra os ensinos ternos e eloqüentes do Evangelho visitam-nos, silenciosamente, o entendimento: - “Dai de comer aos que têm fome”... - “Não vos preocupeis com o que haveis de comer ou de beber”... - “Olhai os lírios do campo”... Mas não compreendemos. E os anos correm céleres, impassíveis, fatais...

E prosseguimos em nossa marcha nervosa, trepidamente agitada... A caminho da velhice sonhada; serena, abastada, segura, tranqüila... Ao encontro, também da morte inapelável, da desilusão cruel e do arrependimento tardio!... (João Álvares)




publicidade
As Mais Compartilhadas no Face
(SF) © Copyright 2024 Jornal da Cidade - Todos os direitos reservados - Atendimento (14) 3104-3104 - Bauru/SP