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"Não estamos prontos para Deus"

"Não estamos prontos para Deus"

Sabrina Magalhães
Teólogo diz que o Livro do Apocalipse foi mau interpretado ao longo dos anos e que Deus é amor, não vingança

A humanidade ainda tem que aprender muito e amadurecer muito antes de receber uma nova visita de Deus. Portanto, o dia do Julgamento Final ainda deve estar longe. A afirmação é do padre Milton César Carraschi, da Igreja São José Trabalhador e professor de Filosofia na Universidade do Sagrado Coração (USC).

De acordo com ele, todas essas idéias a respeito do fim do mundo, associadas às viradas de ano e milênio, não passam de especulações feitas a partir de leituras superficiais de textos bíblicos. Ele lembra que, como qualquer obra, a Bíblia também deve ser lida segundo seu contexto, para que possa transmitir a mensagem que objetivava passar.

Em entrevista ao Jornal da Cidade, ele fala sobre o Livro do Apocalipse e dá sua opinião sobre esta idéia de que estamos no Juízo Final. A seguir, trechos da entrevista.

JC - Existe algum estudo que indique estarmos próximos do fim do mundo?

Padre Milton César Carraschi
- Estudo não, só especulações. Existe o mundo numa perspectiva pessoal - o meu mundo acaba quando eu morro. E existe o mundo numa perspectiva coletiva, onde há preocupação. Fisicamente falando, a gente sabe que nosso planeta Terra está dentro de um sistema solar, o sol é uma estrela de quinta grandeza que está na metade da sua vida. E quando acabar o sol, acabou a vida no planeta Terra. Só que isso vai levar aí uns cinco bilhões de anos.

Puxando para o lado religioso, nem mesmo Jesus Cristo sabe quando será o fim do mundo. Somente Deus sabe quando vai ser o fim do mundo. O que temos são alertas: temos que cuidar do planeta para que ele não se acabe de forma prematura, porque estamos deteriorando demais a Terra.

JC - O que diz o Apocalipse?

Padre Milton
- O Livro do Apocalipse da Bíblia não fala absolutamente nada do fim do mundo. A palavra Apocalipse é grega significa revelação e o livro não quer fazer revelações futuristas. É um livro que deve ser entendido dentro da época em que foi escrito, considerando-se que as revelações são feitas de forma simbólica, para serem compreendidas pelo povo daquele tempo, simplesmente.

Na verdade, o Livro do Apocalipse traz esperanças para um povo que está marginalizado, perseguido e massacrado e o autor tenta dar uma palavra de esperança, de fé, de estímulo para aquele povo sobreviver apesar das perseguições daquele tempo.

JC - Qual é o povo perseguido?

Padre Milton
- O livro do apocalipse foi escrito por volta do final do primeiro século, entre os anos 70 e 100, mais ou menos. Era uma época de grandes perseguições. Começou com o imperador romano César Nero. Tudo o que acontecia de errado, jogava-se a culpa nos cristãos. Antes da época do Apocalipse, houve um incêndio em Roma. Nero queria reconstruir a cidade e ateou fogo na parte velha, enquanto cantava o hino como um louco. O imperador culpa os judeus. Estes disseram “Não fomos nós. Foram aqueles que se parecem conosco, os cristãos, que são exageradamente fanáticos em sua religião.” Assim, um empurra para o outro. Os cristãos eram bodes expiatórios e não tinham a quem culpar, levando a culpa por algo que não fizeram.

Então veio o imperador Domiciano, no ano 70. As perseguições aumentaram. Foi quando foi escrito o Livro do Apocalipse. O autor queria fazer aqueles cristãos entenderem que, apesar das grandes perseguições, a Palavra de Jesus Cristo será vitoriosa, triunfará. Então, não é um livro que traz revelações futuras. É um livro de esperanças para um tempo presente.

JC - E por que ele é escrito de forma camuflada?

Padre Milton
- Simples: a censura. Vamos equiparar o Apocalipse a certos livros e músicas escritos na ditadura militar. Para que a população pudesse ter acesso ao pensamento dele, o intelectual levava aquilo de forma camuflada à população. O apocalipse é a mesma coisa, um livro que precisava passar pela censura dos romanos e chegar até as casas dos cristãos que, lendo aquilo, saberiam entender.

JC - E de onde vem esse medo da virada?

Padre Milton
- Fruto de uma interpretação errada que há sobre o livro do Apocalipse, capítulo 20. Lá se diz que o diabo foi amarrado por mil anos e que ele será solto para fazer os estragos dele. Então, no final do milênio, você fala o demônio está solto e, se ele está solto, vai acabar o mundo porque ele é do mal. Essa leitura é chama milenarismo ou futurismo. A partir disso tivemos os grandes medos na virada do primeiro século, agora do segundo para o terceiro. É uma herança da cultura cristã que se soma ao sensacionalismo.

Vejas as profecias, como as de Nostradamus. Ninguém se preocupa em saber se ele é verdadeiro ou falso, se as profecias dele têm cabimento ou não, simplesmente tentam associar aos fatos. Mas, por exemplo, há uma centúria em que ele fala que em julho de 1999 se iniciaria a terceira guerra mundial, que poria fim ao mundo. Ele falhou, a guerra não está aí e nós estamos mais vivos do que nunca.

JC - Qual seria a leitura correta para esse trecho do Apocalipse?

Padre Milton
- O Apocalipse trabalha muito com símbolos. A leitura correta leva em conta o conceito de tempo. O tempo que começa a existir com Jesus Cristo e vai até a consumação determinada por Deus. O autor utilizou os mil anos como linguagem (para insinuar distância no tempo). Fazer essa leitura ao pé da letra é totalmente errado. Esse trecho é de difícil interpretação, mas há teólogos que consideram que estamos falando do tempo de Deus e os mil anos são um tempo simbólico, apenas isso. Jesus não quer fazer revelações futuristas. Ele quer ensinar a viver bem o tempo presente e perceber Deus nas entrelinhas da vida.

JC - Há um livro na Internet em que o autor defende já estarmos no Juízo Final e que doenças e catástrofes são evidências disso. O que a Igreja diz disso?

Padre Milton
- Para a igreja nós estamos sempre no tempo divino, no tempo de Jesus Cristo. Temos que entender que quem tem boca fala o que quer; quem sabe escrever, escreve o que quer; quem não é surdo, ouve de tudo; e quem é inteligente sabe filtrar. Muita gente faz sensacionalismo e há épocas boas para se fazer isso. Agora é uma época boa.

Agora, dizer que catástrofes, tragédias e o desenvolvimento tecnológico são sinais do fim do mundo, isso é bobagem. Qual foi a época em que nós nunca tivemos tragédias na história da humanidade desde que o ser humano conseguiu se entender como um ser que pensa? Qual foi a época em que não houve fome, terremotos? Sempre houve tragédias. A diferença é que hoje nós temos mais acesso a elas pelos meios de comunicação, que nos enviam informações sobre essas tragédias em tempos recordes.

Quanto ao desenvolvimento tecnológico, isso é um dom que Deus concede ao homem deste tempo. Só temos que tomar cuidado para não fazer com que esse dom se torne uma desgraça, não brincando de ser Deus. Basta apenas que sejamos inteligentes, que saibamos usar de forma benéfica os dons que Deus nos deus, e não de forma gananciosa.

JC - O autor do livro diz que é o livre-arbítrio que permite ao homem usar mal seus poderes e que o que ele planta, colherá.

Padre Milton
- Isso é uma interpretação. Da mesma forma que a gente entende que o mau uso da ciência pode provocar a destruição do planeta, a gente quer acreditar também que o oposto é possível, que o bom uso desta mesma ciência pode conduzir à salvação. Depende do ponto de vista. Eu quero acreditar que o homem caminha para a sensatez, onde ele pare, pense, observe, ponha a mão na consciência e perceba que nós somos responsáveis por aquilo que nós criamos. Claro que se você extrapolar, você pode destruir. Estamos aprendendo com nossos erros.

JC - O senhor acredita que haverá um “fim de mundo” na perspectiva religiosa? Que Deus voltará para nos julgar?

Padre Milton
- Acredito no fim do mundo físico (fim do planeta) e, como religioso, como homem de fé, acredito nisso também. Só digo que isto não vai acontecer amanhã, nem tão já. Acredito que o fim do mundo, na perspectiva de julgamento, em que Jesus Cristo vai estar lá para julgar de novo, será quando o mundo estiver em condições de acolher novamente Deus. Porque se Deus volta agora, a gente o mata de novo. Ainda não temos essa maturidade para encarar Deus. Somos frutos amadurecendo, mas a humanidade ainda não pode ser considerada fruta madura diante de Deus.

JC - O que o senhor diria para pessoas que acreditam em vingança de Deus, que ele acabaria com o mundo?

Padre Milton
- Tenho pena, porque elas ainda não conheceram Deus. Deus não é vingativo, Deus é amor, não quer o mal de ninguém, Ele não quer a morte de ninguém, mas Ele quer a conversão e a vida plena. Esta visão de um Deus vingador é uma visão do Antigo Testamento. Mas, Jesus veio nos revelar um Deus de amor. Se Jesus não viesse ao mundo para nos revelar quem é Deus, até hoje nós não saberíamos quem Ele é. Deus cuida de nós com amor de pai e mãe. As vinganças dos homens, as inimizades, orgulhos, egoísmos e outros adjetivos negativos são próprios dos seres humanos. Deus nos ama, apesar de tudo.

Eu acho que agente não deve ficar muito preocupado com essas especulações sobre o que vai acontecer amanhã. Devemos nos preocupar em viver muito bem o presente, aprender com os nossos erros do passado, cuidar mais da nossa vida social, espiritual, cuidar mais do nosso planeta, ter um equilíbrio. A partir daí, eu sinto que a gente não vai se preocupar tanto com as coisas que virão amanhã. Porque se você planta bem agora, planta o equilíbrio, você vai colher isso depois, até mesmo numa perspectiva de fim. Vamos viver o presente. O resto Deus que nos conceda...




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