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19/07/19 07:00 - Opini�o

Ind�stria da multa ou da infra��o?

Archimedes Azevedo Raia Jr.

O presidente Bolsonaro mostra-se descontente com a legislação de trânsito e, recentemente, criticou nas redes sociais que a fiscalização tem "o intuito de retorno financeiro ao estado", ou seja, se caracteriza como a "indústria da multa". Será isto realmente verdade? Ou seria "indústria da infração"? Muitos alegam que a fiscalização mais rigorosa e a consequente autuação não resultam em benefícios na mesma proporção à segurança viária.

Um estudo pertinente foi produzido pelo causídico Heitor Fidelis de Souza, que avaliou a fiscalização de trânsito no município de São Paulo, considerando o interregno de 2008 a 2017. Neste período, foram arrecadados em multas R$ 7,4 bilhões, já descontados os 5% devidos ao Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset). A receita, por sua vez, subiu de R$ 395 milhões a R$ 1,17 bilhões, uma variação de 196%. A frota de veículos aumentou 35%.

No período, os gastos com a fiscalização eletrônica cresceram 872%; eram R$ 11,5 milhões (2008) e atingiram R$ 112,2 milhões (2017). O estudo mostrou uma correlação consistente entre o crescimento no investimento da fiscalização eletrônica e as receitas das multas. Mas, será que as ações de fiscalização resultaram em benefícios robustos à segurança?

As mortes no período apresentaram tendência de queda; em 2008, registrou-se 1.400 mortes, enquanto que, em 2017, foram 762. Em resumo, no período 2008-17, houve aumentos de 196% na arrecadação de multas e 872% investidos em fiscalização eletrônica, que resultaram em diminuição de 46% nas mortes.

Os 95% da arrecadação que ficam no município devem ser aplicados de exclusivamente em engenharia de tráfego (sinalização, projetos viários, pesquisas, semáforos etc.), fiscalização/policiamento e educação para o trânsito. Um dado, porém, chama a atenção dos especialistas.

Dos R$ 7,4 bilhões direcionados ao trânsito de São Paulo, no período, apenas minguados R$ 9,98 milhões (0,13%) foram efetivamente aplicados em educação para o trânsito. Souza conclui em seu estudo que "o aumento frenético da fiscalização é, sim, capaz de conferir maior segurança ao trânsito. Mas, o método não é eficiente."

Extrapolando-se o caso de São Paulo, pode-se constatar que as gestões municipais de trânsito têm se preocupado demasiadamente em fiscalizar eletronicamente o trânsito, ainda que a velocidade aja como fator agravante na ocorrência e gravidade dos acidentes. Mas não só. Há ainda outros aspectos no trânsito que também são importantes causadores de acidentes e, nem por isso, recebem a mesma atenção.

Em nível mundial, os países mais desenvolvidos e com resultados positivos na redução da morbimortalidade no trânsito, têm investido seriamente, além do controle da velocidade, na educação para o trânsito e fiscalização, principalmente considerando os fatores distração (uso de celulares), alcoolemia, cansaço ao volante, uso de drogas (lícitas ou não), cinto de segurança, manutenção dos veículos, cadeirinhas para crianças.

Isto tem sido reportado pela Organização Mundial da Saúde. Convém, portanto, que a sociedade brasileira faça uma mudança de paradigmas a este respeito. Muito mais vidas poderão ser salvas.

O autor é doutor em engenharia de transportes, especialista em trânsito e mobilidade e diretor da Assenag.





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