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21/04/19 07:00 - Opini�o

Cala a boca j� morreu

Zarcillo Barbosa

A famosa frase "cala a boca já morreu", retirada de uma velha e conhecida canção popular infantil, imortalizou uma sentença da ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia. Em 2015, a ministra foi relatora de um processo que julgava a inconstitucionalidade da exigência de autorização prévia para publicação de biografias. Foi um momento de glória para o STF, que institucionalizava, de vez, a liberdade de expressão como uma das bases da democracia. Até o ministro Dias Toffoli votou contra a autorização prévia. "A corte está afastando a ideia de censura, que, no estado democrático de direito, é inaceitável ", disse com propriedade o ministro. Eis que o mesmo Toffoli, mais recentemente, manda abrir inquérito sigiloso para apurar ataques contra a Corte, nomeia para presidi-lo o ministro Alexandre Moraes, que resolveu censurar a revista eletrônica Crusoé e o site O Antagonista.

Tudo porque Dias Toffoli havia sido identificado como "amigo do amigo do meu pai" por Marcelo Odebrecht. Não havia no depoimento qualquer acusação, apenas a informação de que ele deveria ser procurado para resolver um problema na obra da hidrelétrica no Rio Madeira. Nenhum cifrão à frente do epíteto, o que é raro em tempos de Lava-Jato.

Além de inconstitucional e arbitrária, a decisão foi burra. A história publicada pela revista morria no anonimato. Nenhuma repercussão. Alexandre de Moraes desenterrou um assunto e a ele deu a visibilidade de uma bomba. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mandou o STF suspender o inquérito sigiloso. Alexandre de Moraes rechaçou o pedido. Depois, ao tomar consciência da bobagem que fez, Moraes suspendeu a censura aos órgãos de comunicação. Mas, ainda não sabe o que fazer com o inquérito.

Os especialistas e ex-ministros apontam uma sucessão de erros no Supremo, que até "tem o direito de errar por último", mas não de maneira tão grosseira e amadora. A Corte deveria ter sido provocada pela Procuradoria-Geral da República ou outra parte. Dias Toffoli criou uma situação esdrúxula em que o STF investiga, denuncia e julga. Algo típico de regimes ditatoriais. Nomeou para conduzir o inquérito Alexandre de Moraes, atropelando mais uma nova norma dos tribunais, a do sorteio de quem presidirá as investigações, para garantir isenção e independência.

O inquérito não tem fato determinado, uma exigência da lei. Falava-se em fake news. Mas quem mentiu? A declaração de Odebrecht sobre "o amigo do amigo do meu pai" estava os autos, em Curitiba. O fato mais grave foi o da censura à imprensa. A Polícia Federal cumpriu ainda vários mandatos de busca e apreensão. A reportagem não tratava do Supremo, mas de Dias Toffoli quando na Advocacia-Geral da União. Dias Toffoli não é o STF. Um ataque à corte seria, por exemplo, a do deputado Eduardo Bolsonaro sugerindo, de viva voz, que bastaria um cabo e um soldado para fechar a corte. Na reportagem não há a afirmação de que Dias Toffoli tenha cometido crime.

Se a procuradora Raquel Dodge não reconhece os méritos do inquérito, como Alexandre de Moraes vai denunciar os investigados? Então, estaríamos diante de um não-inquérito a lambuzar ainda mais a imagem do STF.

Por enquanto, o grande ganhador dessa contenda é o jornalismo. Todo mundo virou defensor da liberdade de imprensa. O presidente Jair Bolsonaro foi ao tuite dizer que sua posição "sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável". Logo ele que já fez 29 ataques à imprensa, um a cada três dias. O PT também saiu em defesa da imprensa. Sua presidente Gleisi Hoffmann, disse que o partido jamais censurou veículos. Mas não disse que o governo do PT queria controlar a imprensa através de um projeto criando a Ordem do Jornalistas, para enquadrá-lo em regras sob supervisão do Estado. Acabou não conseguindo por absoluta falta de apoio legal e apoio político.

Toda censura é incompatível com a democracia. Mesmo as críticas injustas e falsas, precisam de liberdade para serem ditas. Existem dispositivos legais que permitem ao atingido pedir a tutela do Estado para reagir contra calunias e difamações. Os cidadãos não podem abdicar é do direito de dizer. E de se responsabilizar pelo que diz. A censura da Inquisição a Galileu atrasou a revolução científica em uma geração, até que surgisse a mecânica newtoniana, da qual foi precursor.

 





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