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13/12/18 07:00 - Opini�o

Algo de podre dentro da universidade

Renato Ghilardi

Não mais do que 3 anos atrás. Foi nesse período que finalmente percebi que havia algo nefasto dentro da academia. Estávamos num período de greve por reposição salarial, mas o tempo ia passando e o governo não arredava em aumentar naquele ano os miseravelmente 0,2% de nosso salário. Eu sabia que a greve foi deflagrada e organizada pelo sindicato dos professores. Sempre achei estranho as resoluções serem tomadas em conjunto entre as diferentes classes, incluso aqui a dos alunos e dos servidores técnico-administrativos.

Afinal, nossas pautas eram extremamente diferentes; não fazia sentido a discussão em conjunto. Somando-se a isso, eu sabia também que qualquer tentativa de se politizar em relação à reitoria central era barrada, pois o sindicato "Chapão" fazia seu cooperativismo vil e votava em massa nos seus candidatos. Isso era estranho, mas eu ainda considerava como parte do jogo.

Mudei meu pensar e minha conduta nessa greve. Explico: meu departamento resolveu fazer uma reunião com outros docentes de outros departamentos para conversarmos sobre o que poderíamos fazer. Afinal, a discussão e a conversa são sinônimos de liberdade dentro da universidade. Se estamos lá dentro podemos nos reunir e conversar sobre qualquer assunto.

Eis que depois de 10 minutos de conversa, um grupo de uns 20 alunos entrou abruptamente na sala que estávamos tocando instrumentos de percussão (nossos alunos têm capacitação musical tremenda para esse grupo de instrumentos), não permitindo a continuidade de nossa conversa. Eu fiquei sentado observando e rindo da situação surreal que lá havia. Não foi isso que aconteceu com todos os docentes de lá. Alguns se exaltaram e literalmente partiram para uma conversa cabeça a cabeça com os alunos em uns tons mais alto do que o normal. Nessa confusão generalizada, escutei os alunos dizendo que estavam gravando e que não poderíamos conversar ou discutir sobre deliberações realizadas em assembleias.

Ri internamente daquela sandice autoritária vindo de alunos que pregavam um mundo marxista-anárquico-libertarista (se isso pudesse conviver em paz). Estava refletindo sobre isso quando observei de soslaio, sentado no canto da sala, um professor da engenharia dando uma risadinha safada digna de um mentecapto que tem seu gozo pela primeira vez. Caiu minha ficha: os alunos foram arrebanhados por esse professor do Chapão para impedir qualquer tipo de ideia contrária à deles. Dentro da universidade! Local em teoria sagrado para o livre pensar. Isso para mim foi um divisor de águas, pois percebi de maneira clara que a liberdade de pensamento dentro da academia é uma hipocrisia latida por indivíduos autoritários e fora de tempo que tem a universidade como único meio de sobrevivência na sociedade.

Resisto, pois creio ainda na autonomia universitária tanto administrativa como científico e filosófica. Mas saibam que a luta é ingrata. A universidade hoje é o ópio dos "intelectuais", ou seja: repleto de narrativas míticas que servem de base para religiões seculares que são traduzidas pelas mais perigosas ideologias políticas.

Cuidado ao entrarem em uma universidade!

O autor é professor da Unesp Bauru.





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