Em maio de 1968 eu tinha 20 anos. Tinha escutado muita bossa nova, movimento mundial que deu voz aos "sem voz" (João Gilberto não me deixa mentir...); tinha ouvido muito bolero e dançado "Relógio" ao som da orquestra Nélson, de Tupã, ou seria Capelozza, de Jaú, ou ainda Laércio, de Franca, não sei quantas vezes... E o tempo não passava! Participava de brincadeiras dançantes onde cada convidado levava um refrigerante; beijinhos de soslaios (isso era muito bom!!!); ficava na Rua Batista de Carvalho, olhando as garotas que saíam da sessão das 20 horas, no Cine São Paulo, elas subiam pela esquerda e desciam pela direita da rua, era delicioso! Bons tempos, hein?
Olhares eram trocados... Até a próxima semana, na sessão das 20 horas, no mesmo cinema e rendia... O tempo não passava! Gostava e ainda gosto de futebol, guardava os meus times de botão em caixas de sapato e narrava como Edson Leite os jogos com celuloides; esperava com ansiedade a Copa do Mundo, no México. Ás vezes fico pensando: será que tudo aconteceu em 1968? Claro que não! Mas 1968 foi um ano-constelação na qual acredito, coincidem fatos, movimentos e personagens inesperados. Eu lia Sartre (comprado na Tipografia Brasil), Marx, Gabriel Garcia Marques, Engels, a cabeça ficava um trevo, mas queria saber tudo, a bem da verdade não entendia muito, mas queria saber, ler, discutir e brigar.
Escrevi minha primeira peça em junho de 1968, o Jornal da Cidade publicou matéria a respeito da mesma que estreava no Automóvel Clube, achei o máximo! Pena que não foi em maio... Seria a consagração!
Até a primeira visita na casa da dona Eni, foi em maio de 1968, sentia-me absoluto com 20 anos. Estava fazendo a minha revolução particular... Sexual é verdade, mas a minha revolução!
Hoje estou nostálgico e depressivo (será que eu deixei?), afinal existem momentos e momentos... Lembro-me que torcia para Fidel Castro, porque ele desafiava os EUA; os ensinamentos de Che, de como fazer uma revolução, estavam ali na Rua Gerson França 6-66 (hoje Casa de Cultura Celina Neves); torcia pelos estudantes nas ruas do Quartier Latin, em Paris; assisti três vezes "A Chinesa", de Jean Luc Godard; torcia pelo Dom Quixote que desafiava os moinhos e torcia também para que a primeira namorada universitária (eram fases!) fosse para cama comigo sem conflitos e dramas de consciência (como se fosse fácil não a ação, mas a contração)... O tesão havia chegado! (versão 1968).
Achava bonita a palavra utopia, esperança de mundo melhor; vibrava com Vandré "caminhando" e acreditava (ou acredito?) que a história não é simplesmente uma coleção de fatos, mas um horizonte de possibilidades.
Chegamos vivos em 2018 e a história não se repetiu... Que coisa! Tenho analisado muito esses 50 anos e procuro descobrir o que não conseguimos conquistar... Li em algum lugar que maio de 1968 retorna de forma recorrente porque ainda não foi completamente digerido, e será necessário esperar pela geração seguinte para que tenha um olhar diferente sobre o episódio. Bem, isso já é tarefa para Talita, Thiago e Aline e a geração que está aí... é a continuação da espécie utópica.
O autor é diretor de teatro e professor de história do Brasil, desempregado e procurando emprego.