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20/05/18 07:00 - Opini�o

Pompas e circunst�ncias

Zarcillo Barbosa

"Divorciada. Americana. Atriz. Negra. Velha". Foram alguns adjetivos colecionados nos principais jornais britânicos, desde o anúncio do casamento do príncipe Harry, 35, com Meghan Markle, 37, em novembro do ano passado. Quem acompanhou a cerimônia de casamento deve ter se emocionado às lágrimas com o sonho de fadas realizado. Parece até que o reino britânico, enfim, se moderniza. Teria passado a aceitar diferenças de cor, sangue e fortuna. Há algumas décadas, seria impossível imaginar a presença de um pregador negro em casamento da realeza. Quanto mais uma mulata no altar. Homens e mulheres "de cor", em trajes de gala, salpicavam os bancos da Igreja de São Jorge. Por acaso, o templo do santo guerreiro, sincretismo de Ogum na Umbanda. A mãe da noiva foi mais focalizada que a rainha Elizabeth II. Deu uma aula de postura discreta e humilde. Lamente-se que os tabloides ingleses não tenham sido tão condescendentes com essa plebeia que ousou imiscuir-se com a realeza.

Já em 2016, o príncipe Harry emitira nota em que denunciava "racismo e sexismo" presentes nas informações sobre a sua namorada. Mostrava-se preocupado com o "abuso e assédio" na cobertura da mídia sobre a sua relação com Markle. Os mesmos modelos criticados nessa nota continuaram se reproduzindo nos tabloides britânicos ao noticiarem o noivado. Prosseguiu ainda mais forte quando a data do casamento foi marcada. Os tons maldosos dos comentários, nem se preocupavam em esconder uma mentalidade racista, classista e sexista. E com um certo antiamericanismo em relação a agora integrante da família real britânica.

Sobraram lembranças do rei Eduardo VIII que, em 1936, abdicou do trono para poder casar com a americana Wallis Simpson, duas vezes divorciada. Foi um abalo à Casa de Windsor que nunca perdoou o casal. Daí para frente, o ex-rei e a mulher tiveram que se contentar como meros figurantes do high-society, nos anos 50 e 60. As mulheres inglesas, hoje também não assimilam o fato de terem sido trocadas por norte-americanas. Jornais de grande circulação, como o The Sun, mandaram repórteres a campo para indagarem das mulheres o "por quê" dessa preferência, que se repete em outros níveis da realeza e em outras casas reais europeias. Da parte das inglesas, algumas respostas foram diretas e cruéis: "As americanas pegam os britânicos porque chupam bem". Em um texto sobre o casal, o The Spectator tentou explicar que "as garotas americanas sempre fazem sexo oral muito antes do que as britânicas porque não veem isso como sexo". Em outro trecho, diz que "70 anos atrás Meghan Markle seria o tipo de mulher que o príncipe teria como amante, não como esposa". Também não faltaram comparações: "Não é uma Kate Middleton". O ranço britânico provoca engulhos quando exalta a "rosa britânica Kate" por sua classe, ante a "divorciada". Fotos mostram Markle de saias de couro justas e camisetas largas de algodão, ante o estilo classudo de Middleton, que "irradia sofisticação".

Meghan Markle não terá vida fácil, mesmo que se conforme em permanecer encastelada. Certamente, os cronistas mundanos vão agora torcer para que o casamento fracasse e, finalmente, o príncipe se case com uma britânica no segundo turno. A americana, filha de mãe negra e pai branco, não esconde que se sente afetada. Principalmente quando a imprensa foca a questão de sua "raça". Sentiu esse fato como algo "desanimador". É possível que tudo seja esquecido com a volta do bom senso à imprensa britânica. Tem mais é que se preocupar com o terrorismo; com os efeitos da saída do Reino Unido da Comunidade Europeia. Markle pode ajudar a coroa britânica a reconquistar valores humanos.

O mundo mudou e quem não se der conta dessa realidade vai perder lugar. Nem que esse lugar seja o trono mais cobiçado. Tradição deixou de ter significação em tempo de velozes transformações tecnológicas. A família real britânica, até 1917, era Saxe-Coburg-Gotha, fruto do casamento de suas dinastias alemãs. Com o sentimento anti-alemão causado pela Primeira Guerra Mundial, foi criada a Casa de Windsor. O rei Jorge V teve coragem de mudar. O czar russo Nicolau II, deposto na revolução socialista, era primo do então monarca britânico. Foram deixados para trás mais de 300 anos de dinastia e linhagens imperiais.

Sangue azul foi uma bobagem inventada por Luiz XV, para justificar o absolutismo real que viria de Deus. Nas veias de todos nós, o que corre são hemoglobinas ou glóbulos vermelhos, independentemente da cor da pele.

 





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