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19/11/17 07:00 - Opini�o

P�tria M�e, Gentil

Zarcillo Barbosa

A professora percebeu que o aluno de 8 anos chorava, mão no peito, coração disparado. Passava mal. Os colegas assistiam calados, caras de assustados. Chamado o Samu, o rapaz da ambulância deu o diagnóstico com um adjunto adverbial de causa: "Desmaiou de fome". A cena teve por palco o pátio de uma escola elementar de Brasília, a pouco quilômetros do Palácio do Planalto. O presidente Michel Temer acabava de profetizar que o "o brasileiro vai chegar aos 140 anos", para justificar a reforma da Previdência. (Pano, rápido)

Muda a cena. Na "Cidade Maravilhosa", 221 mil servidores ativos e aposentados, esperam o pagamento de setembro. O Estado sequer pagou o 13º salário do ano passado. Enquanto isso, o Tribunal de Justiça deposita na conta de juízes e servidores, R$ 2 mil referentes a ajuda de fim de ano - a bolsa-peru. Eles recebem por outro regime de contas e estão com os vencimentos em dia, com todos os penduricalhos.

Ainda no Rio, a multidão é dispersada com bombas de gás e cassetetes, por protestar contra a revogação da prisão de três deputados, acusados de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Incluem-se falcatruas contra a merenda escolar.

No Planalto, Michel Temer já tem em mãos a minuta do decreto de Indulto de Natal, espécie de perdão presidencial a condenados por corrupção a até 12 anos. Ganham liberdade definitiva 37 condenados por Sérgio Moro. Entre eles, Eduardo Cunha, Eduardo Henrique Alves, Delúbio Soares, Jose Carlos Bumlai, executivos da Odebrecht.

Volto à escolinha do Distrito Federal, onde a professora ouve todos os dias, "Tia, tô com fome". Na cantina ela compra, com seu próprio dinheiro, frutas para os estômagos que falam mais alto. É a maneira de enganar a fome, até que a merenda de biscoito com suco seja servida, no intervalo. A criança que desmaiou, havia ingerido fubá com água e sal, na noite anterior. "Virgem Santa/que a fome era tanta/que nem voz eu tinha".

Ary Toledo contava a saga do nordestino que foi para o Rio, em busca de emprego e tinha que sobreviver dançando o xaxado em Copacabana. Mesmo assim era difícil amealhar algum. Teve que melhorar o espetáculo comendo gilete e cacos de vidro, para sensibilizar os passantes. Logo que estreou no Teatro Oficina Rio, Ary foi chamado pelo temido DOI-CODI. "Olha, coronel, eu não tive a intenção de ofender as Forças Armadas" - foi logo se desculpando. Tempo de ditadura. O coronel tratou de acalmá-lo. Aquilo não era uma prisão. Somente um convite para esclarecimentos. "Meu coronel, convite a gente recusa". A autoridade devolveu com um sorriso amarelo. No Rio e em São Paulo, o imigrante chegava "a ter saudades da fome que tinha no meu Ceará. "

A fome é problema tão velho quanto a própria vida. Está na Geografia da Fome, de Josué de Castro (198-1973), médico pernambucano que foi embaixador na ONU. Seu pensamento rompia com a falsa convicção que imperava nos anos 1960, de que a fome e miséria eram resultados de excesso populacional e escassez de recursos naturais. Há ainda quem defenda laqueadura e aborto para impedir que nasçam pobres. Seria o mesmo que fazer valer a formula mal-humorada de Chesterton: "... quando existem sete crianças e seis chapéus, ou se arranja mais chapéus ou se corta a cabeça de uma criança. "

Em suas obras, Castro provou que a questão da fome não se tratava de quantitativo de alimentos (o Brasil bate recordes de safras agrícolas) ou número de habitantes. Mas sim de distribuição de riquezas, concentradas cada vez mais nas mãos de menos pessoas. A mais recente estatística diz que 1% da população mundial detém metade da riqueza do Planeta, onde 2 bilhões ainda passam fome.

Colocaram a pirâmide de ponta para baixo. Isso influi na duração e na qualidade de vida das pessoas, sem falar na capacidade de trabalho e no estado psicológico das populações. Alceu Amoroso Lima contava que, nas favelas, metade não dorme, de fome e, a outra metade não dorme com medo dos que têm fome.

O tucano João Doria, prefeito de São Paulo, cortou 13,5% do orçamento da Educação. Para remediar, surgiu com um produto industrializado, feito à base de alimentos que seriam descartados, para distribuir na merenda escolar. A tal de "farinata" é um biscoito cinza, arredondado. Ainda não ficou esclarecido tratar-se de um complemento ou de um suplemento alimentar. E se acaba com o ronco dos sensíveis estômagos das crianças.

O fato levou a uma intervenção da chef Janaína Rueda: "O ato de comer é humano. Comer não deve significar sobreviver, deve significar viver. É sentir, saborear, desfrutar".

 





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